Neurodiversidade
Minha Jornada Trabalhista, antes de Saber do Autismo
Algumas pessoas já me perguntaram como foi, para mim, trabalhar por tantos anos sem saber que era autista. A resposta, embora complexa, pode ser resumida em uma palavra: difícil e, fui me virando como dava. Mas, ao mesmo tempo, foi uma jornada repleta de aprendizados, desafios superados e descobertas que moldaram quem sou hoje. Leia também: Por que você não leu? Minha trajetória profissional começou cedo, ainda na pré-adolescência, quando eu e meu irmão saíamos para vender picolés. Enquanto meu irmão tinha um talento natural para atrair clientes e vendia todos os seus picolés — às vezes até voltava para pegar mais —, eu, por outro lado, muitas vezes, mal…
Entre Silêncios, Aprendi a Me Expressar
Por dezesseis anos, minha voz foi um sussurro dentro de mim. O mundo ao redor pulsava em sons e gestos que eu não sabia traduzir, enquanto dentro de mim as palavras se acumulavam como um rio represado em diferentes “silêncios”. Eu observava, entendia, sentia, mas quase não me comunicava. E não porque não quisesse, mas porque algo dentro de mim bloqueava a ponte entre pensamento e expressão. Era como se eu fosse um estrangeiro em minha própria terra, um viajante sem idioma num mundo onde todos pareciam saber o que dizer e como dizer. Eu falava um pouco em casa, com minha família. Leia também: Autismo e Comunicação: Minha Jornada…
O Pâncreas Invisível do Cérebro
Era uma tarde quente, e Júlia, mãe de um garoto autista, estava sentada no consultório da terapeuta, exausta das cobranças diárias que recebia. “Você precisa fazer ele sair mais”, diziam os parentes. “Ele precisa aprender a se enturmar”, sugeriam os professores. Para Júlia, tudo soava como um eco sem sentido. A terapeuta, percebendo o cansaço da mãe, propôs uma analogia: “Imagine se as pessoas olhassem para alguém com diabetes e dissessem: ‘Por que você não faz seu pâncreas trabalhar direito? É só querer!’ Absurdo, não é?” Júlia sorriu, mas a reflexão lhe atravessou como uma flecha. Sim, era absurdo exigir algo que o corpo não pode oferecer naturalmente. Mas por…
Autismo: O Hulk que Habita em Mim
Há uma cena no primeiro filme dos Vingadores que sempre me tocou profundamente. Bruce Banner, o homem que carrega o Hulk dentro de si, é questionado sobre como consegue se transformar quando necessário. Ele responde com uma simplicidade quase devastadora:“Esse é o meu segredo, Capitão… Estou sempre com raiva.” Sempre achei que essa frase dizia mais do que sobre raiva. Ela falava de controle. De segurar algo tão forte e tão destrutivo que parece capaz de escapar a qualquer momento. Durante muito tempo, essa também foi a minha vida. Eu sempre fui aquele que parecia calmo. Na escola, no trabalho, entre amigos, era o “tranquilo”, o “centrado”. Mas, dentro de…
Por que você não leu?
Eu já tentei falar. De verdade. Tentei dizer nas entrelinhas de uma conversa qualquer, com aquelas palavras que vão só até a superfície, sem tocar o fundo. Não é fácil falar de mim, expor o que carrego por dentro. Cada luta, cada dificuldade e, principalmente, essa deficiência que me acompanha, faz sombra na minha comunicação. No entanto, quando as palavras não encontram o caminho da fala, elas se aconchegam nas páginas. A escrita se tornou o lugar onde posso dizer o que não consigo dizer cara a cara. É o meu jeito de socializar sem socializar, de me abrir sem abrir a boca. Leia também: Filosofia e Autismo: A Luz…
Esquisito, Eu?
Dizem por aí que eu “não tenho cara de autista”. Isso sempre me faz rir. Como é mesmo a cara de uma condição neurológica? Será que é como um par de óculos que você coloca e, de repente, todo mundo enxerga o que está na sua mente? Mas se tem algo que ouvi mais do que “você não tem cara de autista” ao longo da vida, é o clássico “você é esquisito”. E eu aposto que se você parar pra pensar, já te chamaram disso também, pelo menos uma vez. Ou, se tiver a sorte de ser como eu, talvez algumas centenas de vezes. Leia também: Esquisito Para Quem? Normatividade…