A Redescoberta da Saudade: Minha Jornada com o Autismo

Desde criança, eu não entendia o que era saudade. Via pessoas ao meu redor falando sobre sentir falta de alguém; para mim, esse conceito parecia algo distante, quase abstrato. Nunca senti falta das pessoas ao meu redor, nem mesmo dos meus pais. Não era falta de apego ou de amor; na verdade, essas pessoas estavam tão presentes na minha mente que eu simplesmente não sentia a ausência física delas. Para mim, a presença mental era suficiente.

A saudade, como muitos a descrevem, é aquele sentimento de ausência, a dor e o desejo de estar perto de alguém que não está presente. É uma mistura de lembranças e afeto que traz um anseio profundo. No meu caso, esse sentimento era praticamente inexistente até quase os meus trinta anos. Não compreendia quando as pessoas diziam estar com saudade, porque nunca havia experimentado isso.

Com o tempo, comecei a perceber que minha forma de vivenciar as emoções era diferente. A razão pela qual algumas pessoas no espectro autista podem não sentir saudade está relacionada à maneira como processamos as emoções e as memórias. Para muitos de nós, as lembranças são tão vívidas e presentes que a ausência física não gera o mesmo impacto emocional que para outras pessoas. A presença mental e a estruturação do afeto funcionam de maneira distinta, não menos significativa, apenas diferente.

Tudo mudou quando comecei a namorar e, mais tarde, me casei. Foi um momento de transformação emocional. A presença da mulher por quem me apaixonei tornou-se essencial de uma maneira que nunca havia experimentado antes. Não era mais suficiente tê-la apenas na mente; eu precisava senti-la de maneira palpável. Esse sentimento de presença física tornou-se uma necessidade, algo que não era comum para mim, especialmente considerando que o toque físico frequentemente me incomodava.

Estamos casados há quase vinte anos, e esse sentimento nunca mudou. Quando minha esposa ficou grávida, essa sensação de necessidade de presença física se transferiu para o nosso filho. Senti e ainda sinto uma necessidade intensa de tê-lo por perto, de maneira que nunca senti antes. Penso que isso é saudade, mas também uma forma de dependência emocional. No entanto, ao contrário do que se possa imaginar, isso nunca me causou mal; pelo contrário, só me fez bem.

Descobrir que também tenho a capacidade de sentir saudade, mesmo que de uma maneira diferente, foi uma experiência reveladora. É bom saber que esse sentimento faz parte de mim, ainda que em um nível distinto do que é usual para a maioria das pessoas. Compreender e aceitar essa parte de mim tem sido uma jornada enriquecedora e profundamente humana.

Assim, a saudade, para mim, é a redescoberta do vínculo emocional, uma nova forma de experimentar a conexão e o amor, que só se intensificou com a minha esposa e nosso filho. É a prova de que, mesmo dentro do espectro autista, as emoções podem se manifestar de maneiras inesperadas e profundamente tocantes.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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