Na sociedade contemporânea, a medicina, a psiquiatria e a psicologia frequentemente classificam uma série de condições humanas como transtornos, doenças crônicas ou deficiências. Este artigo não pretende negar a existência de tais condições, mas sim questionar como elas são entendidas e tratadas e pensar sobre o conceito de normalidade. Para iniciar nossa reflexão, é importante definir esses termos.
Transtorno: segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), transtorno refere-se a um padrão de comportamento ou funcionamento psicológico que causa sofrimento significativo ou impede a capacidade de uma pessoa de funcionar em áreas importantes da vida.
Doença crônica: segundo o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), doença crônica é uma condição que dura um ano ou mais e requer cuidados médicos contínuos ou limita atividades da vida diária, ou ambos.
Deficiência: segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), deficiência é um termo que abrange deficiências físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais de longo prazo, que, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Notemos que essas definições abarcam um pequeno grupo específico, deixando a maioria da população fora dessas classificações. No entanto, a sociedade é projetada majoritariamente para aqueles que não se enquadram nessas categorias. Isso inclui desde as horas trabalhadas, construções arquitetônicas, festas, reuniões, músicas, iluminação, até religiões e muitas outras áreas da vida.
A Bíblia menciona a “multiforme sabedoria de Deus” (Efésios 3:10), que pode ser traduzida como multicolorida, indicando a diversidade com a qual Deus criou o mundo. Em Êxodo 4:11, lemos que “Quem fez a boca do homem? Ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o Senhor?”
Se Deus criou cada indivíduo com suas particularidades, inclusive aqueles com condições que chamamos de transtornos ou deficiências, por que insistimos em moldar o mundo apenas para a maioria?
Pessoas com condições crônicas que requerem maior repouso, dietas restritivas, ou que são sensíveis a estímulos específicos (como iluminação ou sons), merecem um mundo pensado para incluí-las plenamente. A sociedade precisa ser mais cuidadosa e inclusiva. Podemos, por exemplo, ajustar o ambiente de trabalho para ser mais flexível, oferecendo horários adaptáveis e locais de trabalho mais acessíveis.
É fundamental que as construções sejam projetadas levando em consideração a acessibilidade, com rampas, elevadores e sinalizações adequadas. Eventos e reuniões devem ser planejados considerando diferentes necessidades sensoriais, oferecendo espaços tranquilos e alternativas para aqueles que não toleram determinados estímulos.
A educação também pode ser transformada, criando metodologias de ensino que respeitem diferentes formas de aprendizagem e proporcionando apoio individualizado. Isso inclui formação de professores para lidarem com a diversidade e a inclusão de tecnologias assistivas.
Paulo, em suas cartas, frequentemente nos lembra do amor e cuidado que devemos ter pelos mais fracos. Em 1 Coríntios 12:22-23, ele afirma que “os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários” e que “os membros do corpo que pensamos serem menos honrosos, a estes damos maior honra”.
Precisamos glorificar a Deus através do amor e cuidado com todos, especialmente aqueles que o mundo tende a negligenciar. Isso não significa somente mudar as leis ou adaptar os espaços físicos, mas também transformar nossos corações e atitudes. A verdadeira inclusão exige que vejamos a diversidade humana como parte do plano divino, uma expressão da multiforme sabedoria de Deus.
Ao repensar nosso modo de viver, podemos criar uma sociedade mais justa e acolhedora, onde cada pessoa, independentemente de suas condições, possa viver plenamente e contribuir com seus talentos únicos. Esse é o chamado cristão: amar, cuidar e incluir, refletindo a graça e a sabedoria de Deus em todas as nossas ações.
Para entender mais:
O que é neurodiversidade? – Brasil Escola (uol.com.br)
Normalidade e Doença em Psicopatologia – Clínica Jorge Jaber (clinicajorgejaber.com.br)
O que é ser normal? (ex-isto.com)
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.