O Jogo Perigoso da Linguagem: Autismo, Masking e os Riscos de Ensinarmos Nossos Filhos a Mentir

Por Ludwig Wittgenstein, a linguagem foi descrita como um jogo. Ele estava certo, mas para nós autistas, este jogo pode se tornar perigoso. Como pais de autistas, precisamos tomar cuidado com a maneira como ensinamos nossos filhos sobre a linguagem e suas nuances.

Autistas, principalmente aqueles de nível 1 de suporte, frequentemente utilizam uma técnica chamada masking em suas relações sociais. O masking, em termos simples, é “fingir” um comportamento socialmente aceito para tentar se adequar. Para pessoas neurotípicas, este comportamento é tão natural quanto aprender a andar. Porém, para nós autistas, o masking pode ser extremamente desgastante e problemático.

Esse “jogo” constante de tentar se encaixar pode levar a fugas da realidade, onde evitamos que as pessoas nos conheçam verdadeiramente e, consequentemente, não aprofundamos nossos relacionamentos. O masking é um peso constante que carregamos, e embora possa parecer que estamos nos adaptando bem socialmente, na verdade, estamos escondendo nosso verdadeiro eu.

Recentemente, me deparei com uma situação perturbadora: especialistas sugerindo que devemos ensinar crianças autistas a mentir para evitar o “sincericídio” – a situação em que a sinceridade extrema pode causar problemas sociais. Essa abordagem é extremamente danosa. Muitos autistas podem desencadear crises ao tentar lidar com mentiras, pois a dissonância entre a verdade e a falsidade pode ser esmagadora. Além disso, há o risco de que alguns autistas possam se tornar exímios mentirosos, o que adiciona outra camada de complexidade e perigo ao jogo da linguagem.

Para autistas, a linguagem já é um desafio. Quando somos ensinados a manipular e camuflar tudo o que somos e sentimos, podemos até obter uma posição socialmente “melhor”, mas isso será uma mera ilusão. A verdadeira conexão e entendimento só podem ser alcançados através da autenticidade e da aceitação de quem realmente somos, com todas as nossas peculiaridades e diferenças.

Portanto, como pais e educadores de autistas, precisamos ser extremamente cautelosos ao abordar questões de linguagem e comportamento social. Em vez de incentivar o masking ou a mentira, devemos promover a aceitação e a autenticidade. Ensinar nossos filhos a serem verdadeiros consigo mesmos e com os outros é a melhor maneira de garantir que eles cresçam saudáveis emocionalmente e capazes de formar relacionamentos genuínos.

A linguagem é um jogo, como disse Wittgenstein, mas para nós autistas, deve ser um jogo jogado com honestidade e transparência, não com subterfúgios e falsidades. Ao proteger a integridade emocional de nossos filhos, estamos ajudando-os a navegar no mundo de maneira mais saudável e verdadeira.

Para saber mais

“Estudo ensina crianças com autismo a mentir”. Pode isso, Arnaldo? | Boletim Behaviorista (wordpress.com)

Ensinar pessoas com Autismo a mentir? Prof. Dr. Lucelmo Lacerda – YouTube

15 mitos sobre o autismo e como sua aceitação pode combater o capacitismo – Nohs Somos

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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