Viver com autismo é viver em um mundo onde a socialização é tanto uma necessidade quanto um desafio contínuo. Para muitos autistas, como eu, a interação social não flui naturalmente; é uma construção mecânica e superficial, uma réplica do que observamos e entendemos ser esperado de nós.
A socialização autista pode ser vista como uma performance. Cumprimentos e interações básicas são aprendidos e repetidos, como uma coreografia ensaiada. Estes gestos são necessários para o convívio diário, mas falta-lhes a espontaneidade e o genuíno engajamento que os neurotípicos talvez considerem natural. Não consigo iniciar ou sustentar conversas triviais; simplesmente não sei como fazê-lo de maneira que pareça natural. Quando a conversa se aprofunda em temas de meu hiperfoco, no entanto, posso discorrer com entusiasmo e conhecimento detalhado.
Essa dinâmica muitas vezes é mal interpretada. Às vezes, sou visto como egoísta por focar nos meus interesses em vez de me envolver com os assuntos dos outros. Mas essa não é uma escolha deliberada de ignorar os interesses alheios; é uma manifestação de uma deficiência. Minha capacidade de me envolver de forma significativa está fortemente atrelada a esses interesses específicos. Fora desse âmbito, a conversa perde o sentido e o interesse para mim.
Um aspecto interessante e, para mim, frustrante, é minha memória. Eu guardo a maioria das informações das conversas, e me confunde quando as pessoas repetem temas já discutidos. Para mim, parece que elas não valorizaram suficientemente sua própria fala inicial, levando-as a repetir o assunto. Isso gera um ciclo de desinteresse: se elas não valorizaram a conversa, por que eu deveria?
Reconhecer essa diferença é crucial para uma convivência mais harmônica. Entender que a superficialidade aparente na interação social autista não é uma escolha, mas uma consequência de como processamos e nos envolvemos com o mundo, pode ser um passo importante para a empatia e inclusão. As diferenças na socialização não devem ser vistas como falhas, mas como variações naturais da experiência humana.
Em última análise, a socialização autista pode ser uma dualidade de superficialidade nas interações triviais e profundidade apaixonada nos interesses pessoais. Compreender e respeitar essa dualidade é essencial para uma interação mais justa e compreensiva com autistas, permitindo que sejamos nós mesmos sem a constante pressão de corresponder a expectativas sociais que não nos são naturais.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.
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