O Amor que Reconhece as Diferenças

Ao entrar na clínica onde meu filho, autista, realiza suas sessões de terapia, deparei-me com uma frase que, à primeira vista, parece acolhedora e cheia de boas intenções: “Enquanto existir amor, não haverá diferenças.” No entanto, ao refletir mais profundamente sobre essas palavras, percebo o quanto elas são problemáticas, principalmente quando aplicadas ao contexto da neurodiversidade.

A neurodiversidade, como o próprio nome sugere, é o reconhecimento das diferenças neurológicas entre os indivíduos. Ela nos ensina que o cérebro humano pode funcionar de diversas maneiras, e essas variações são naturais e devem ser respeitadas. A frase na clínica, porém, parece sugerir que o amor tem o poder de apagar ou ignorar essas diferenças. Essa ideia, embora pareça uma tentativa de promover a igualdade, na verdade, negligencia a própria essência da neurodiversidade.

Autistas, como meu filho e eu, vivemos e percebemos o mundo de maneira diferente. E essas diferenças não são apenas detalhes superficiais; elas fazem parte de quem somos em nossa totalidade. Fingir que essas diferenças não existem é uma forma sutil de negação, um apagamento de nossa identidade. Quando se diz que “não haverá diferenças”, a implicação é que a igualdade pode ser alcançada pela homogeneização, o que, em última análise, equivale a uma tentativa de padronizar todas as experiências humanas.

O amor verdadeiro não consiste em fechar os olhos para as diferenças, mas em reconhecê-las e respeitá-las. O amor que ignora as diferenças acaba por se tornar uma forma de alienação. Ele cria uma barreira entre o que somos e como somos percebidos pelo outro. Ser autista é, para muitos de nós, uma luta constante para sermos compreendidos em nossas especificidades. O amor autêntico, por sua vez, abraça essas particularidades, enxerga além da normatividade e acolhe as nuances que fazem de cada ser humano alguém único.

As terapias que meu filho recebe, e que tantos outros autistas também buscam, não têm o propósito de nos transformar em neurotípicos. Esse tipo de “cura” seria não apenas impossível, mas também cruel. A ideia de que autistas precisam ser consertados ou moldados para se encaixar em um padrão neurotípico é o reflexo de uma sociedade que não sabe lidar com a diversidade. O objetivo das terapias é nos oferecer uma melhor qualidade de vida, ajudando-nos a lidar com as dificuldades que surgem justamente por sermos diferentes.

Essas terapias não visam apagar quem somos, mas sim nos equipar com ferramentas para navegar em um mundo que, muitas vezes, não está preparado para acolher nossas peculiaridades. As dificuldades enfrentadas por autistas não são um reflexo de um “defeito” interno, mas de um ambiente externo que não valoriza nem acomoda nossas diferenças. Portanto, negar essas diferenças, como a frase sugere, é o oposto do que o amor deveria fazer.

O amor que devemos cultivar e promover é aquele que percebe, enxerga e respeita as diferenças, sem tentar apagá-las ou minimizá-las. É um amor que entende que viver com a neurodiversidade é lidar com desafios únicos, e que nossa missão, enquanto sociedade, não é tornar todos iguais, mas criar um espaço onde as diferenças possam coexistir de forma harmoniosa. O verdadeiro amor não é cego; ele é perspicaz e sensível. Ele não apenas aceita as diferenças, mas as valoriza e as celebra.

A frase na clínica, embora bem intencionada, propaga uma visão simplista e equivocada da relação entre amor e diferença. Para quem vive com neurodivergências, como meu filho e eu, a mensagem que deveríamos difundir é justamente o oposto: “O amor reconhece as diferenças e, ainda assim, ama profundamente.” Só quando começarmos a valorizar e respeitar essas diferenças poderemos criar uma sociedade verdadeiramente inclusiva, onde todos, independentemente de suas singularidades, possam prosperar.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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