Filosofia e Autismo: A Luz da Caverna

Autistar é também filosofar. E não apenas por sermos observadores do que se encontra além da superfície, mas por transformarmos o que enxergamos em uma trama interna que reflete a vastidão do real. Somos, nós autistas, muitas vezes comparados a viajantes presos em si mesmos. Mas essa definição, construída no vazio das suposições alheias, mal toca a superfície do que é, de fato, o autismo.

Acredito que o autista não está preso, nem tampouco isolado em uma caverna de sombras, como no antigo mito de Platão. Pelo contrário, estamos na luz – não uma luz qualquer, mas uma luz singular, filtrada por nossas formas de ver e de sentir o mundo. Nosso olhar não é limitado, mas repleto de cores e formas que talvez outros deixem escapar. O mundo, para nós, é uma dança constante de caos e serenidade, que recriamos em pensamentos e gestos, compondo, mesmo sem querer, nossa própria filosofia.

Se o filósofo opta por se afastar para contemplar, nós, autistas, fazemos o mesmo, mas sem escolha. Somos observadores, não porque queiramos, mas porque nossa própria condição nos coloca em um estado de presença intensa e diferente. Não somos meros receptores de um mundo inventado – somos recriadores de uma realidade que, para os outros, talvez pareça estranha.

Nessa visão de expectador ativo, nossa “distância” não é um desinteresse pelo mundo. Ao contrário, é uma espécie de encantamento. Para nós, cada detalhe tem sua voz e seu tempo, cada nuance carrega significado. O mundo não precisa nos tirar de onde estamos, pois não há outro lugar para onde ir. Ele precisa, talvez, estender uma ponte, uma aproximação respeitosa e curiosa, não para nos “curar” ou nos “ajustar”, mas para ouvir nosso modo de compreender o real.

Ser autista é, portanto, também uma maneira de filosofar. De nos sentarmos, por assim dizer, à margem da vida comum, não por escolha, mas por essência. Autistar é abraçar o que somos e, ocasionalmente, sair desse nosso universo interior para fazer o movimento de se aproximar, de se deixar tocar. Afinal, nosso “mundo” não é outro: é o mesmo, porém, visto com olhos que enxergam além.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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