Se há algo que parece unir as massas em debates fervorosos e alucinados, é o destino dos banheiros públicos. Isso mesmo, a humilde casa de necessidades virou palco de disputas acaloradas, fake news desenfreada, e até demissões de diretores de escolas que, sem querer, caíram no olho do furacão. A mais nova polvorosa (imagine aquele polvo rosa irritado) gira em torno da ideia dos banheiros unissex. É quase como se tivéssemos descoberto que o armário do Nárnia se esconde na porta de cada banheiro misto.
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A gritaria é tanta que parece que nunca, jamais, na história deste planeta, homens e mulheres compartilharam um mesmo espaço para suas necessidades fisiológicas. Mas… e se eu te dissesse que banheiros unissex sempre existiram? Sim, sim, respire fundo. Porque, spoiler: o banheiro da sua casa é unissex. O do avião? Também. E o do ônibus? Idem! E o que muita gente esquece, banheiros acessíveis para PCD, também são unissex. Então por que, de repente, uma parte da população parece estar à beira de um colapso por imaginar que pessoas de diferentes gêneros possam… bem… dividir um vaso sanitário?
A verdade, meus caros leitores, é que essa distinção entre banheiros masculinos e femininos é uma invenção bastante recente. Banheiros separados por gênero só começaram a pipocar no final do século XIX, e, surpresa, não foi por uma questão de higiene ou segurança. Na verdade, foi fruto de uma agenda ideológica durante a Revolução Industrial. Antes disso, os banhos comunitários eram comuns, e não havia essa frescura toda. Homens e mulheres compartilhavam o mesmo espaço nas casas de banho sem grandes alardes. Era tudo muito prático e, pasmem, natural.
Então o que mudou? A sociedade do século XIX, desesperada por manter a mulher em seu “devido lugar”, resolveu institucionalizar a separação de gêneros em várias esferas da vida pública. Banheiros separados foram uma dessas esferas. Mulheres eram vistas como frágeis, delicadas, criaturas que deviam se manter longe das impurezas (físicas e morais) dos homens. Essa separação reforçava a ideia de papéis de gênero tradicionais: homens fortes e poderosos no espaço público, mulheres sensíveis e recatadas no privado. Era um jeito engenhoso de segregar e manter as coisas “no lugar”.
E a ideologia por trás dessa separação persiste até hoje. Tome como exemplo o Projeto de Lei 4019/21 no Brasil, que tenta proibir a existência de banheiros unissex. O argumento? Proteger a moralidade, a segurança e a ordem. Mas vamos ser sinceros: é muito mais fácil controlar a narrativa do que os fatos. A realidade é que esse tipo de projeto é tão inconstitucional quanto um zoológico sem animais. Não só fere a liberdade individual, mas também perpetua a discriminação, principalmente contra pessoas trans, impedindo-as de usar o banheiro com o qual se identificam.
Sem falar no desastre logístico que uma lei dessas causaria. Já imaginou um avião comercial ter que instalar dois banheiros separados? Ou todos os ônibus urbanos? Vamos ver quantos políticos vão querer explicar o aumento de preço das passagens porque agora cada veículo precisa de um banheiro extra! Para pequenos comércios, a situação seria ainda mais ridícula. Muitos mal têm espaço para um banheiro, quem dirá dois! Sem falar que também teria que separar os banheiros acessíveis. A proposta é um verdadeiro tiro no pé — para não dizer na cabeça.
Outro argumento comumente jogado na roda é o da segurança. Muitos acham que a existência de banheiros unissex pode facilitar estupros ou outros crimes sexuais. Um argumento que, na melhor das hipóteses, é ingênuo, e na pior, mal-intencionado. A verdade é que homens também são estuprados — por outros homens, e, acredite, também por mulheres. Crianças são vítimas de violência sexual por ambos os gêneros. Os números estão aí, prontos para quem quiser pesquisar. Banheiros separados nunca impediram crimes sexuais, e a tentativa de justificar essa separação com base nisso é, no mínimo, intelectualmente desonesta.
A ironia é que muitas das pessoas que gritam contra os banheiros unissex estão menos preocupadas com a segurança e mais com a manutenção de uma ordem ideológica. Esse debate não é sobre a praticidade de dividir um banheiro, mas sobre quem tem direito de existir e ser reconhecido em espaços públicos. A tentativa de barrar banheiros unissex é, na maioria, uma maneira de excluir pessoas trans e não-binárias da convivência social plena. É uma guerra cultural disfarçada de preocupação moral.
Agora, você pode estar aí pensando que eu sou um grande defensor dos banheiros unissex e que estou aqui para converter você ao culto do banheiro misto. Mas, veja bem, nada disso. Eu, pessoalmente, gosto de banheiros separados. Acho confortável. Porém, se amanhã só tivesse um banheiro unissex disponível, eu entraria sem problema algum. Minha questão aqui não é sobre minha preferência, mas sobre a natureza política e ideológica do debate. A separação dos banheiros tem menos a ver com a higiene ou segurança e mais a ver com controle e exclusão.
No final das contas, quem diria que a simples escolha de onde fazer suas necessidades viraria um campo de batalha? Mas é isso que acontece quando a ideologia se infiltra até nos espaços mais mundanos da vida. Banheiros unissex não são novidade, mas a resistência a eles revela muito sobre quem somos e o que ainda precisamos aprender como sociedade. E, no meio dessa polvorosa, fica claro: o problema não é o banheiro, é quem decide quem tem o direito de usá-lo.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.