O Aumento de Ar-Condicionados e a Responsabilidade do Reino de Deus

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Introdução: O Calor que Divide e a Criação que Clama

O Brasil caminha para um futuro onde 160 milhões de aparelhos de ar-condicionado estarão em uso até 2050, um aumento de 350% em relação aos 36 milhões atuais 1. Esse crescimento, impulsionado por ondas de calor extremas e desigualdades socioeconômicas, não é apenas um problema ambiental, mas um desafio teológico e moral. Como cristãos, somos chamados a refletir sobre nossa responsabilidade diante da criação que “geme” (Romanos 8:22) e dos irmãos que sofrem sob o peso do calor injusto. Este artigo une dados científicos, reflexão bíblica e ética prática para confrontar nossa indiferença e propor caminhos de redenção.

I. A Realidade dos Dados: Conforto para Poucos, Sofrimento para Muitos

1. O Crescimento Explosivo do Uso de Ar-Condicionado

Em 2024, foram vendidas 5,88 milhões de unidades no Brasil, um salto de 38% em relação a 2023 2. As classes A e B concentram 64% dos usuários, enquanto 56% dos mais pobres desejam, mas não podem adquirir o aparelho 3.

Projeções indicam que, em 2050, o consumo de energia global para refrigeração dobrará, representando 14% da eletricidade mundial 1.

2. Ilhas de Calor e a Desigualdade Térmica

Em São Paulo, bairros nobres como Higienópolis têm 1.300 árvores/km², enquanto comunidades como o Jardim Colombo (Paraisópolis) possuem menos de 760 árvores/km² e telhados de fibrocimento que transformam casas em “estufas” 4 5.

Nas favelas, a temperatura noturna chega a ser 3,7°C mais alta que em áreas arborizadas 6. Moradores como Rosinha, desempregada e mãe de uma criança asmática, dependem de ventiladores improvisados e bacias de água para sobreviver 4 5.

3. Impactos na Saúde e na Vida

Entre 2000 e 2018, 48.075 mortes foram atribuídas a ondas de calor no Brasil, com maior mortalidade entre idosos, mulheres, negros e pobres 6. Crianças em lares precários veem seu rendimento escolar e saúde comprometidos pelo calor sufocante 2 7.

II. A Visão Bíblica: Do Éden ao Gemido da Criação

1. Mordomia da Criação: Um Mandato do Éden

No Jardim do Éden, Deus ordenou ao homem “cultivar e guardar” a Terra (Gênesis 2:15). O termo hebraico shamar (guardar) implica proteção ativa, não exploração. O uso desequilibrado de ar-condicionados, que emitem gases como HFCs (com potencial de aquecimento 11.700 vezes maior que o CO₂1, viola esse mandato, acelerando o gemido da criação (Romanos 8:22).

2. Justiça Climática como Expressão do Reino

Jesus ensinou que o Reino de Deus se manifesta na justiça para os oprimidos (Lucas 4:18-19). A desigualdade térmica, onde ricos se refrigeram enquanto pobres morrem de calor, é uma afronta ao Deus que “defende a causa do órfão e da viúva” (Deuteronômio 10:18).

3. A Ecologia da Encarnação

A encarnação de Cristo revela um Deus que habita na materialidade da criação. Negligenciar o impacto ambiental do ar-condicionado é ignorar que “todas as coisas foram feitas por ele” (João 1:3) e que a redenção inclui a Terra (Apocalipse 21:1).

III. O Caminho da Responsabilidade: Entre Fé e Ação

1. Eficiência Energética como Testemunho

Priorizar aparelhos com Selo Procel “A” reduz o consumo em 30% 2. Igrejas e famílias cristãs podem liderar essa mudança, adotando tecnologias inverter e sistemas de energia solar 8 9.

2. Advocacia por Políticas Públicas Justas

Apoiar a Emenda de Kigali, que visa eliminar HFCs até 2045 1, e pressionar por urbanização sustentável: telhados verdes, corredores de vento e arborização em favelas.

3. Solidariedade Prática com os Mais Vulneráveis

Criar “oásis climáticos” em comunidades: instalar ventiladores solares, distribuir mudas de árvores e oferecer espaços refrigerados em igrejas durante ondas de calor.

4. Educação Teológica e Ambiental

Incluir em sermões e estudos bíblicos temas como mordomia ecológica e justiça climática. Ressaltar que “a terra é do Senhor” (Salmo 24:1) e que nosso conforto não pode custar a vida dos pobres.

Conclusão: Um Chamado ao Arrependimento e à Esperança

O aumento de ar-condicionados é um sintoma de um mundo que prioriza o individual sobre o coletivo e o consumo sobre a criação. Como cidadãos do Reino, somos desafiados a viver a integralidade do Evangelho, onde fé e ecologia se entrelaçam. A projeção de 160 milhões de aparelhos em 2050 não é inevitável: podemos escolher tecnologias sustentáveis, políticas justas e um estilo de vida que honre o Criador e cuide dos mais frágeis. Afinal, “a criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus” (Romanos 8:19). Que sejamos esses filhos, trazendo refresco não apenas para nossos lares, mas para toda a Terra que geme.

Referências

Alterações da temperatura em ambientes externos de favela e desconforto térmico

Camargo, M. G. de, & Furlan, M. M. D. P. (2011). Resposta Fisiológica do Corpo às Temperaturas Elevadas: Exercício, Extremos de Temperatura e Doenças Térmicas. Saúde E Pesquisa4(2). Recuperado de https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/saudpesq/article/view/1723

Cristiane de Costa Trindade Amorim, M. (2021). ILHAS DE CALOR EM BIRIGUI/SP. Revista Brasileira De Climatologia1. https://doi.org/10.5380/abclima.v1i1.25234

Efeitos de uma onda de calor na mortalidade

GARTLAND, Lisa. Ilhas de calor: como mitigar zonas de calor em áreas urbanas. Tradução de Silvia Helena Gonçalves. São Paulo: Oficina de Textos, 2010. (Degustação online)

Humano, Cosmos e Deus: Alteridade Ontológico-relacional: O princípio fundamental do conceito “Reino
de Deus”, sua permanência na teologia de Leonardo Boff

Ilhas de Calor em Cidades Tropicais de Médio e Pequeno Porte: Teoria e Prática – Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim – Google Livros

O sobreaquecimento das cidades. Causas e medidas para a mitigação da ilha de calor de Lisboa | Territorium

Sant’ Anna, A. (2019). O CRISTÃO E A CRIAÇÃO: POR UMA TEOLOGIA PENTECOSTAL EM HARMONIA COM O MEIO AMBIENTE. AZUSA: Revista De Estudos Pentecostais11(1). Recuperado de https://azusa.emnuvens.com.br/revista/article/view/154

UM OLHAR PARA AS CIDADES A PARTIR DO ESTUDO SOBRE AS ILHAS DE CALOR URBANAS

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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