A imagem retrata uma cena solitária em estilo impressionista, com tons pastéis e terrosos suaves. No centro da composição, há uma pessoa sentada sozinha em um banco de madeira, cercada por uma paisagem outonal. As folhas caídas no chão e as árvores de galhos finos ao fundo sugerem um clima de introspecção e melancolia. A luz suave e difusa transmite uma sensação de silêncio e contemplação, enquanto os traços pincelados expressam emoção e profundidade. A imagem evoca o sentimento de isolamento e solidão abordado no artigo, mas também carrega um toque poético e sensível.
Autismo,  Neurodiversidade

Solidão: A Realidade Silenciosa das Pessoas Autistas

A maioria das pessoas sequer imagina — e, em muitos casos, nem quer saber —, mas a solidão que atinge pessoas autistas é uma das formas mais cruéis e silenciosas de sofrimento que existem. Em uma sociedade moldada por ritmos sociais, expectativas de comportamento e códigos implícitos de interação, a pessoa autista muitas vezes se vê à margem, não por escolha, mas por exclusão.

O senso comum costuma repetir que “o autista gosta de ficar sozinho”, como se fosse uma opção deliberada, como quem escolhe uma tarde de descanso. Essa crença ignora o fato de que, para muitos autistas, estar sozinho é menos uma escolha e mais uma consequência. A verdade é que muitas pessoas autistas anseiam por conexão, afeto e pertencimento, mas se deparam com uma realidade árida: um mundo que exige delas uma performance social exaustiva para a qual não foram preparadas — e que, ao falharem em cumprir, simplesmente as descarta.

A “bateria social” e os encontros humanos

O termo “bateria social” não é técnico, mas descreve bem o que muitas pessoas autistas relatam sentir: um limite de tempo, energia e disposição para interações sociais. Festas, igrejas, estádios, shows, baladas — ambientes tidos como normais e até desejáveis para neurotípicos — podem ser fontes de sobrecarga sensorial e emocional para autistas. A música alta, a luz forte, os múltiplos estímulos simultâneos e a obrigação de seguir uma lógica de interação social que parece sempre escorregar pelos dedos tornam tais espaços hostis.

Isso, somado às dificuldades naturais de iniciar ou manter conversas, interpretar flertes, ironias, figuras de linguagem ou mesmo manter o interesse em assuntos fora de seus hiperfocos, constrói um muro invisível entre a pessoa autista e os outros. Muitos falam demais, outros quase não falam. Alguns não sabem como iniciar uma amizade, e outros não percebem quando ela começa a murchar. E, por tudo isso, são vistos como “estranhos”, “deslocados”, “difíceis” — e, lentamente, vão sendo deixados para trás.

Dados que escancaram a negligência

De acordo com estudos recentes, mais de 50% dos adultos autistas relatam sentir-se cronicamente solitários1. Um relatório de 2022 da National Autistic Society do Reino Unido apontou que 79% das pessoas autistas dizem se sentir solitárias com frequência — e, o mais alarmante: um terço afirmou não ter nenhum amigo2. A solidão, nesses casos, não é apenas emocional — ela se torna um fator de risco para depressão, ansiedade severa e até ideação suicida.

Além disso, estima-se que até 70% dos autistas tenham pelo menos uma comorbidade3, como o TDAH, o TOD (Transtorno Opositivo-Desafiador), a ansiedade social ou o mutismo seletivo. Isso complica ainda mais a já difícil tarefa de se inserir socialmente. Como esperar que alguém que mal consegue verbalizar suas emoções peça ajuda? Como esperar que alguém que sofre com crises de sobrecarga consiga explicar por que não foi ao evento da família?

Os extremos emocionais da convivência

Outro ponto ignorado é o fato de que o comportamento afetivo de pessoas autistas muitas vezes está nos extremos: podem ser intensamente apegadas, o que assusta e afasta os outros; ou excessivamente desapegadas, o que é lido como frieza ou desinteresse. Mas não se trata de falta de afeto — trata-se de um modelo afetivo diferente, marcado muitas vezes pela ausência de referências positivas, pela falta de reciprocidade e, em muitos casos, por anos de rejeição.

Amizades precisam ser cultivadas. Mas quem ensina isso ao autista? Quem tem paciência para explicar que mensagens precisam ser respondidas, que o silêncio pode ser lido como descaso, que o outro também precisa ser ouvido? E quem tem disposição para entender que às vezes o autista desaparece não por desprezo, mas por exaustão?

O silêncio como armadura

Autistas aprendem desde cedo que precisam “se virar sozinhos” — seja por negligência, seja por superproteção de cuidadores que são os únicos que os compreendem. Muitos carregam o peso da dor em silêncio, por não conseguirem sequer nomear o que sentem, ou por não confiarem que serão ouvidos com empatia. O silêncio, então, torna-se armadura. Mas armadura pesa. E sufoca.

O que fazer como sociedade?

A resposta não é simples, mas passa por um ponto fundamental: reconhecimento e empatia ativa. É preciso reconhecer que a vivência autista é distinta — e que isso não a torna inferior. É necessário ouvir sem pressa, acolher sem julgar, caminhar no tempo do outro. Precisamos aprender que amizade com uma pessoa autista pode exigir mais esforço, sim — mas é um esforço que revela riquezas afetivas, intelectuais e humanas que a superficialidade neurotípica muitas vezes não alcança.

A solidão das pessoas autistas não é um problema individual: mas pode ser um fracasso coletivo. E só começaremos a superá-lo quando pararmos de tentar “consertar” o autista e começarmos a transformar a sociedade — tornando-a mais acessível, mais paciente e, acima de tudo, mais humana.

  1. Um estudo longitudinal da solidão no autismo e outras deficiências do neurodesenvolvimento: Lidando com a solidão desde a infância até a idade adulta – PMC ↩︎
  2. Pesquisa sobre Solidão das Pessoas Autistas ↩︎
  3. Autismo e comorbidades – Servidor – Poder Judiciário de Santa Catarina ↩︎

Fontes

DESAFIOS DO CASAMENTO COM UMA PESSOA AUTISTA SEM DIAGNÓSTICO – Instituto Inclusão Brasil

Além dos níveis de suporte: comorbidades associadas ao autismo – Canal Autismo – –

Comorbidades no autismo: entenda como elas podem afetar

Loneliness in Autism and Its Association with Anxiety and Depression: A Systematic Review with Meta-Analyses | Review Journal of Autism and Developmental Disorders

Comorbidades no autismo: entenda como elas podem afetar

Avaliando medidas para avaliar a solidão em adultos autistas – Kana Grace, Anna Remington, Jade Davies, Laura Crane, 2024

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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