O Eu-angelho Segundo o Picadeiro

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E subiram ao púlpito como quem sobe ao palco. Acenderam os refletores, ajustaram o microfone, e ao fundo tocava uma trilha sonora épica. Começa o espetáculo ao eu-angelho: o culto do coach ungido, do pastor mirim com milhões de seguidores, do influencer convertido na última live, devidamente batizado em águas digitais.

A comunidade evangélica brasileira virou trending topic, e não foi por amor ao próximo, mas por devoção à próxima polêmica. A política foi elevada ao altar, onde o mandamento do amor cedeu lugar ao ódio justificado por versículos fora de contexto. Amar o inimigo? Só se ele votar certo. O resto é “guerra espiritual”.

Enquanto isso, os púlpitos se tornaram vitrines de autoajuda, onde Deus virou um personal trainer celestial, treinando você para ser o “melhor de si”, mesmo que isso signifique passar por cima do irmão caído, porque o sucesso não espera e a bênção é individual. Sofrimento? Só se for do outro. Jesus chorou, mas o crente moderno bloqueia quem lamenta.

A teologia do momento é feita de cores vibrantes, frases de efeito e poses instagramáveis. Já não se fala de arrependimento, mas de “recomeços”. O pecado virou “erro de percurso”, e a santidade… bem, ela não engaja tanto quanto uma viagem missionária para Dubai.

E surgiram os movimentos. Os Legendários, os Machos da Montanha, os Homens de Verdade com suas barbas bem aparadas e discursos fossilizados, tentando resgatar uma masculinidade bíblica que nunca foi a de Cristo, mas a de Sansão, que no fim das contas caiu pelo próprio ego. A virilidade agora se mede em curtidas, não em frutos do Espírito.

E a igreja? Virou banco. Literalmente. Abrem agências, vendem criptomoedas “abençoadas” e inventam moedas digitais “santas”. Afinal, se o Reino de Deus é justiça, paz e alegria, por que não uma boa taxa de retorno em nome do Pai, do Filho e do lucro líquido?

E o que dizer dos pequenos ungidos? Pastores mirins, mal saíram das fraldas e já amarram versículos com autoridade de quem mal aprendeu a conjugar o verbo “discipular”. Um deles, ousadamente, repreendeu quem disse que “só Jesus é o meu pastor”. Claro, numa era em que a humildade é opcional e a vaidade é vestida com vestes talares.

E o povo? Ri. Zomba. Compartilha. A ridicularização dos evangélicos se tornou comum, não por perseguição, mas por escândalo. Os discípulos de Cristo agora disputam espaço com os discípulos do algoritmo. E os fariseus do século XXI, bem vestidos e bem seguidos, batem palmas enquanto dançamos no picadeiro da fé performática.

Mas entre o riso e a lágrima, ainda resta esperança. Porque o Evangelho do Reino — aquele que nos chama à cruz, à renúncia, à justiça, ao amor — esse não será ridicularizado. Ele permanece, ainda que os evangélicos se tornem risíveis. Cabe a nós descer do palco, rasgar os roteiros e voltar ao Caminho. Talvez, só talvez, ao deixarmos o circo, possamos reencontrar o Reino.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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