O Peso do Fazer e o Esquecimento do Ser

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Acordamos com pressa, dormimos com culpa. O tempo, esse senhor inflexível, nos arrasta como se fosse dono da nossa alma. Vivemos entre planilhas e postagens, entre tarefas e metas, entre agendas lotadas e cafés apressados. A vida, dizem, é movimento. Mas que tipo de movimento é esse que não nos permite parar?

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Na modernidade, a essência da vida foi sequestrada pelo fazer. Tudo gira em torno do produzir. Produzimos conteúdo, resultados, filhos, festas, memórias instantâneas — e esquecemos que viver não é uma função executiva. Tornamo-nos engrenagens bem lubrificadas de uma máquina que nunca para. O sistema nos sorri com dentes metálicos, e nós sorrimos de volta, crentes de que estamos indo bem. Mas para onde?

Alguns fazem para ter muito, outros para ter o mínimo — e ambos estão cansados. A meritocracia nos ensinou que o valor do ser humano está em sua utilidade, e então nos tornamos úteis até a exaustão. Trabalhamos para provar amor, produzimos para manter relações, mostramos o quanto fazemos para justificar por que ainda estamos aqui. “Eu sou pai, mas veja tudo o que eu faço pelos meus filhos.” “Sou esposa, mas veja o quanto eu produzo para nosso casamento.” Perdemos a graça de estar simplesmente presentes.

A espiritualidade virou também uma corrida. Cultos com agenda, orações que precisam ser performáticas, retiros com cronogramas, como se Deus também estivesse cansado de esperar e só gostasse de quem faz. Mas o Cristo que se retirava para orar, que parava para escutar, que chorava com os amigos e que andava entre lírios e oliveiras — esse Cristo parece cada vez mais distante da nossa fé apressada.

Não sabemos mais sentar em silêncio ao lado de quem amamos. Precisamos de trilha sonora, luzes baixas, jantar temático, palavras certas. Mas e o silêncio? E a escuta profunda? E o olhar que não exige performance? A vida não é um reality show de produtividade. Não há prêmio no fim, só a eternidade que, para alguns, será surpreendente porque não se mede em produtividade, mas em profundidade.

Fazer é importante, sim. Mas fazer sem ser é tornar-se ruído. O Reino de Deus não se edifica com barulho, mas com presença. Há mais eternidade no abraço calado de um pai cansado do que em mil palavras de um influenciador de fé.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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