A Consciência do Outro nos Salva do Egocentrismo

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Por séculos, as grandes questões da existência humana giraram em torno de si mesmas: Quem sou eu? ou Qual é o sentido da vida? dominaram as reflexões filosóficas, teológicas e científicas. Porém, ao mergulharmos na complexidade de nossa modernidade — marcada por individualismos exacerbados e um isolamento existencial — é urgente colocarmos em pauta uma pergunta tão essencial quanto as anteriores: Quem é o outro? Por que a minha consciência também o percebe?

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Essa não é apenas uma indagação social ou ética, mas uma questão profundamente espiritual, filosófica e teológica. Afinal, a consciência, essa dimensão misteriosa de nós mesmos que percebe, sente e se reconhece no mundo, só se torna plena quando percebe que há outros. E mais: quando percebe que o outro também é um eu. A alteridade, portanto, não é um apêndice da consciência, mas parte de sua própria constituição.

A consciência que se fecha em si mesma se torna um cárcere. Já a consciência que se abre ao outro, encontra liberdade e sentido. Quando olhamos o mundo a partir do outro, descobrimos que ele não é apenas um reflexo de nós, mas uma realidade inteira, autônoma, viva. Cada outro é um universo que vê o mundo por um prisma diferente — e cada visão é uma faceta legítima da realidade. O mundo é multiforme porque os olhos que o veem são múltiplos.

Então, não basta mais perguntar: Qual é o sentido da vida? Precisamos perguntar: Qual é o sentido da vida do outro? Por que ele está aqui, agora, comigo? Há um entrelaçamento profundo entre existirmos lado a lado. Somos mais do que seres simultâneos — somos seres que se entrecruzam, que se tocam, que influenciam e são influenciados. A pergunta sobre o outro desestabiliza o nosso egocentrismo e desloca o eixo do mundo de nossos próprios umbigos.

Essa reflexão tem ressonância direta na teologia cristã. Em Cristo, o outro não é apenas o próximo — ele é parte de mim. Fomos chamados para ser corpo, e corpo pressupõe unidade na diversidade. A graça de Deus se manifesta em mim e no outro, e é pela fé que somos feitos filhos do mesmo Pai. Isso nos distancia radicalmente da ideia de um “eu salvo” isolado. A salvação é comunitária, e quem se recusa a ver o outro, a cuidar do outro, a amar o outro, se recusa a estar em Cristo.

Jesus deixou isso claro quando afirmou: “Tudo o que fizestes a um destes meus pequeninos, a mim o fizestes.” A solidariedade não é um gesto moral apenas — é um gesto teológico. Negar o outro é negar a Cristo. E quem está fora de Cristo está só. E quem está só, está perdido.

Não há salvação no isolamento. Não há humanidade plena sem alteridade. A pergunta sobre o outro não é secundária — é essencial para compreendermos quem somos e para onde estamos indo. Não somos deuses solitários, mas criaturas interdependentes. E talvez a verdadeira resposta para “Quem sou eu?” só possa ser encontrada quando estivermos dispostos a perguntar, de coração aberto: Quem é você?

Afinal, talvez o maior milagre da consciência seja justamente esse: ela é minha, mas ela me leva até você.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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