Por Que Faço Terapia: Entre a Razão, a Fé e a Dor

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Vivemos em uma época marcada por paradoxos. De um lado, nunca se falou tanto sobre saúde mental; de outro, nunca estivemos tão doentes emocionalmente. O sujeito contemporâneo, pressionado pelas exigências do desempenho, do consumo e da constante comparação nas redes, carrega um fardo psíquico que o adoece silenciosamente. Diante disso, é legítimo e urgente perguntar: sob qual ponto de vista é justificável que eu — ou qualquer um — faça sessões de terapia, busque ajuda psiquiátrica e se preocupe com a saúde mental?

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A psicologia responde de forma clara: corpo e mente não são entidades separadas. Somos integrais, e tudo o que afeta um, reverbera no outro. O sofrimento emocional não é invenção, nem fraqueza moral. É uma condição humana. A escuta terapêutica oferece aquilo que nem sempre encontramos nas relações cotidianas: acolhimento sem julgamento. É no encontro com o outro — com o terapeuta — que nos reconhecemos, nos escutamos e, muitas vezes, nos aceitamos. A fala organizada na presença do outro não é só cura, mas caminho. A escuta profissional favorece a reintegração do sujeito consigo mesmo. Nesse sentido, cuidar da saúde mental não é luxo, nem capricho moderno; é questão de sobrevivência psíquica.

Do ponto de vista filosófico, a resposta depende de quem pergunta. O estoico talvez diria que devemos suportar a dor com coragem. O existencialista lembraria que somos condenados à liberdade e, portanto, ao peso da escolha e da angústia. Freud, embora não filósofo clássico, revelou que a consciência humana é apenas uma pequena parte da psique — o que, para muitos, soou como heresia racional. No entanto, há um ponto comum em muitas escolas filosóficas: o valor do diálogo. Desde Sócrates e Platão, o encontro dialógico é espaço de revelação e construção do eu. A filosofia clínica, mais contemporânea, transforma esse encontro em método, reconhecendo na escuta e na interpretação das narrativas existenciais uma via de sentido. Assim, a terapia, embora não substitua a filosofia, pode ser o espaço onde a pergunta filosófica encontra abrigo na dor real de quem sofre.

E quanto à teologia? Muitos veem a fé como substitutiva da ciência, como se buscar ajuda psicológica fosse sinal de falta de confiança em Deus. Mas essa é uma leitura rasa — e perigosa. Uma teologia madura não nega a dor, tampouco rejeita os recursos que a ciência oferece para aliviá-la. A fé, longe de ser antagonista da ciência, é sua companheira na busca pela verdade e pelo cuidado da vida. Se o sofrimento não decorre diretamente do pecado — e nem toda dor é espiritual —, então é lícito buscar, com os olhos da fé, o alívio em terapias e medicamentos, desde que não anulem o sentido da existência. A boa teologia compreende que um remédio não substitui a graça, mas pode ser meio por onde a graça se manifesta. Nesse sentido, fazer terapia é também um gesto espiritual: reconhecer que sou limitado, que preciso de ajuda, que não dou conta sozinho. Há humildade e fé nesse movimento.

Portanto, sob todas essas óticas — psicológica, filosófica e teológica —, fazer terapia é um ato de responsabilidade consigo mesmo. É a coragem de parar, olhar para si e, sem máscaras, admitir: “Eu preciso de ajuda”. É nessa honestidade que começa o processo de cura. Não é desistir de si; é, na verdade, o início da reconciliação com aquilo que somos: seres em busca de sentido, cuidado e, acima de tudo, verdade.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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