Cristianismo e Igreja: Colonialismo e Escravidão

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A história da igreja cristã, tanto católica quanto protestante, é marcada por paradoxos profundos que desafiam a pureza da fé proclamada por Jesus Cristo. Enquanto a mensagem do Evangelho é de libertação, amor ao próximo e justiça, a instituição e seus representantes frequentemente estiveram do lado do poder opressor, da exclusão e da violência. Uma análise bíblico-teológica, histórica e crítica revela como a verdadeira fé cristã foi frequentemente sufocada ou deturpada por interesses humanos, deixando um legado ambíguo que ainda ecoa nos dias atuais.

Leia também: Racismo na Igreja: O Pecado (Quase) Silenciado

1. A Igreja e a Escravidão: A Contradição do Corpo de Cristo

A Bíblia ensina que todos são iguais diante de Deus: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; porque todos são um em Cristo Jesus” (Gálatas 3:28). No entanto, a igreja institucional — católica e protestante — em muitos períodos históricos legitimou a escravidão. Pastores, bispos e mesmo papas possuíram e comercializaram escravos, justificando esse sistema desumano com interpretações distorcidas das Escrituras (por exemplo, a mal interpretada “maldição de Cam”, ou o falso argumento de que a escravidão era uma ordem divina).

A teologia que deveria libertar os cativos acabou por naturalizar a servidão, negando a imagem de Deus presente em cada ser humano (Gênesis 1:27) e violando o mandamento do amor (Mateus 22:39).

2. Igreja e Nazismo: Conivência e Silêncio em Tempos de Terror

Durante o século XX, a adesão ou pelo menos o silêncio cúmplice de setores da igreja diante do nazismo expôs outra face trágica do cristianismo institucional. No caso da Igreja Católica, embora o Vaticano tenha condenado algumas práticas nazistas, sua diplomacia muitas vezes priorizou a manutenção do poder e da influência. Já entre os protestantes, especialmente na Alemanha, surgiram grupos como a “Igreja Confessante” que resistiram, mas muitos líderes protestantes apoiaram ou colaboraram com o regime nazista.

Esse apoio refletiu uma idolatria ao nacionalismo e à supremacia racial que contradiz a mensagem universal do Evangelho, que é para todos os povos, sem distinção.

3. Ku Klux Klan e a Igreja Protestante nos EUA: Racismo e Exclusão Religiosa

A Ku Klux Klan, que emergiu no sul dos Estados Unidos pós-Guerra Civil, teve forte conotação religiosa, especialmente dentro de segmentos da igreja protestante branca. A Klan utilizava símbolos cristãos e justificava sua luta contra negros, católicos e judeus como uma “defesa da verdadeira fé”. Essa apropriação ideológica deformou o Evangelho, transformando-o em arma de exclusão e opressão.

4. Colonialismo, Missões e a Igreja: De Evangelho a Instrumento de Dominação

A Igreja Católica foi, durante séculos, a grande aliada dos impérios coloniais ibéricos. Missões eclesiásticas frequentemente acompanhavam e legitimavam a conquista, o massacre e a escravização de povos indígenas da América Latina. A categorização dos nativos como inferiores, até mesmo “sem alma” ou “menos humanos”, foi um horror teológico e antropológico que violou frontalmente o mandamento bíblico de amor e a dignidade da criação.

Na mesma linha, a igreja protestante britânica, e depois a norte-americana, foram veículos culturais do colonialismo anglo-saxão, impondo uma cultura branca, patriarcal e hegemônica, enquanto difundiam uma versão diluída ou distorcida do Evangelho.

5. A Verdadeira Fé Cristã Marginalizada: O Evangelho da Cruz e da Renúncia

Em meio a esses períodos de conivência institucional, a fé cristã autêntica — aquela que vive o Evangelho da cruz, da humildade e do amor sacrificial — sempre sobreviveu, muitas vezes às margens do poder, marginalizada, perseguida e rejeitada. Essa fé não busca glória, status ou hegemonia, mas a imitação de Cristo, que “não veio para ser servido, mas para servir” (Marcos 10:45).

O apóstolo Paulo ensina que “para os que estão perecendo, nós pregamos a cruz de Cristo, que é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus” (1 Coríntios 1:18). A cruz, símbolo de vergonha e derrota humana, é paradoxalmente o trono do verdadeiro reino de Deus, um reino que não é deste mundo (João 18:36).

6. Conclusão: O Chamado à Fidelidade e à Profecia

A igreja institucional precisa confrontar seu passado e reconhecer suas falhas históricas para que a fé cristã não seja reduzida a uma ideologia de poder, raça ou cultura. A verdadeira igreja de Cristo é chamada a ser profeta, denunciando injustiças e vivendo a solidariedade com os marginalizados.

Hoje, a fé cristã não está nas manchetes, não faz parte dos trends topics das redes sociais. Seu lugar é o “Calvário e sua vergonha” (Hebreus 12:2), uma lembrança constante de que o caminho da cruz é o caminho da fidelidade, da renúncia e do amor que não se corrompe.

Fontes

13 de maio: ‘Era a escravidão que sustentava a Igreja Católica no Brasil’ – BBC News Brasil

How Antebellum Christians Justified Slavery – JSTOR Daily

The German Churches and the Nazi State | Holocaust Encyclopedia

Synod of Barmen | Description, History, Declaration, Figures, & Facts | Britannica

IHU Online – Raízes históricas dos direitos humanos na conquista da América: o protagonismo de Bartolomé de Las Casas e da Escola de Salamanca

Bispos alemães admitem que a Igreja Católica foi “cúmplice” de crimes nazistas – Instituto Humanitas Unisinos – IHU

William Joseph Simmons: A preacher used Christianity to revive the Ku Klux Klan – The Washington Post

Luteranos lembram pedido de perdão pela omissão frente ao nazismo – Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Vaticano condena seu passado colonial nas Américas

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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