A imagem mostra uma balança dourada de dois pratos. De um lado, há uma miniatura de um prédio clássico de universidade, com colunas na entrada, jardins e arquitetura acadêmica. No outro prato, há uma miniatura de uma igreja com torre e cruz, representando a religião. A balança está equilibrada, sugerindo uma comparação simbólica entre os conceitos de universidade e religião no contexto de doutrinação, pluralidade e fé. O fundo é neutro, destacando os elementos principais sem distrações.
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A Falácia da Doutrinação das Universidades

Vivemos em um tempo marcado por discursos prontos, geralmente moldados por bolhas ideológicas, onde palavras como “doutrinação” são lançadas como dardos para demonizar instituições e desacreditar o saber crítico. Um dos alvos preferidos dessa retórica tem sido a universidade pública, acusada de ser um centro de “doutrinação esquerdista”. Porém, antes de aceitar tais acusações, é fundamental entender: o que é, de fato, doutrinar? E quem mais doutrina: a universidade ou a religião?

O termo universidade carrega em si a noção de pluralidade. O próprio nome revela sua vocação: um universo de pensamentos. Ali se estuda arte, filosofia, ciência, religião, tecnologia, culturas e suas contradições. É o espaço da divergência, da contestação, da crítica — inclusive contra si mesma. Nas universidades convivem evangélicos, católicos, ateus, muçulmanos, judeus, agnósticos. Há pessoas de todas as classes sociais, com variadas orientações sexuais, com ou sem deficiência, de diferentes etnias e visões políticas. A diversidade é a norma. Portanto, afirmar que universidades doutrinam é declarar que elas impõem uma única forma de pensar, o que se contradiz com a própria estrutura epistemológica da instituição universitária.

O que muitos chamam de “doutrinação” é, na verdade, o desconforto diante do pensamento crítico. Quando alguém nunca foi exposto ao contraditório e se depara com argumentos que desafiam sua visão de mundo, tende a reagir com medo ou raiva. Mas esse é precisamente o papel da educação: desconstruir certezas absolutas e convidar ao pensamento autônomo. A universidade forma cidadãos, não seguidores. Não é perfeita e abriga, sim, pessoas com ideias extremas — à esquerda e à direita —, mas como instituição, não promove uma única verdade. Promove o debate. E debate não é doutrina, é exercício de liberdade intelectual.

A religião, por outro lado — e aqui falamos de forma crítica, mas também analítica —, opera de maneira distinta. Não se estrutura no pluralismo, mas na fé comum. A fé, para ser coesa, precisa de doutrina. A palavra doutrina, aliás, é bíblica: “Permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido” (2Tm 3:14). A teologia, nesse contexto, não é um debate aberto e democrático de ideias ilimitadas, mas uma reflexão a partir de um fundamento específico: a revelação divina, seja ela expressa em um livro sagrado, tradição oral ou autoridade eclesiástica.

A religião é, por essência, doutrinadora — e isso não é, em si, um defeito. Ela estabelece dogmas, ritos, formas de vida e regulações morais. A fé exige fidelidade a uma verdade tida como absoluta. É por isso que ela unifica e também, muitas vezes, exclui. “Vinde como estais” é um convite bíblico. Mas “permanecei como estais” dificilmente é aceito sem reservas. A religião transforma, molda, exige renúncia e conversão. O que ela não pode fazer — sob pena de se tornar tirânica — é negar sua natureza doutrinadora e apontar o dedo para a universidade como se fosse um espaço de lavagem cerebral.

A filosofia já nos alertava: “Conhece-te a ti mesmo” — esse é o começo de toda sabedoria. A teologia cristã também é clara: “Examinai tudo, retende o bem” (1Ts 5:21). O verdadeiro saber nasce da escuta e do discernimento, não do eco ensurdecedor da própria bolha. Dizer que a universidade doutrina é, muitas vezes, um disfarce para fugir do confronto com a diversidade. Já a religião, quando honesta, admite seu papel formador — ou deformador — da consciência.

Portanto, não se trata aqui de demonizar a fé ou santificar a ciência, mas de resgatar a verdade dos fatos. Religiões doutrinam — esse é seu papel e natureza. Universidades educam, criticam e pluralizam — e nisso reside sua importância. Confundir essas esferas é não apenas intelectualmente desonesto, mas perigoso para a liberdade humana.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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