Crônicas

As Cicatrizes de Deus e Sua Beleza Eterna

Há marcas, cicatrizes, que o tempo não apaga. Há dores que não se dissolvem no esquecimento da eternidade. E, estranhamente, há feridas que se tornam glória.

No centro da história, entre a cruz e o túmulo aberto, permanece um Deus que não esconde suas cicatrizes. As mãos atravessadas por cravos, o lado rasgado por uma lança, e quem sabe… talvez ainda as marcas dos açoites desenhando sulcos na pele ressuscitada do Filho.

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O Deus onipotente não quis ser um Deus sem marcas. No corpo glorificado de Cristo não há ausência de dor passada, há memória redentora. A eternidade agora tem um rosto humano, e neste rosto há sinais de sofrimento.

Quando Tomé pediu provas, não foi ao conceito que ele estendeu a mão, nem à ideia etérea de uma divindade impalpável. Foi ao corpo marcado de Jesus. “Põe aqui o teu dedo…”, disse o Ressuscitado. E foi assim, não pela ausência das cicatrizes, mas por sua permanência, que Tomé reconheceu: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20.28).

E que escândalo isso é. Um Deus com cicatrizes. Um Deus ferido. Um Deus deficiente.

Mas deficiente… de quê? Certamente não de poder. Suas feridas não limitam sua soberania. Pelo contrário, elas são testemunho de um amor que não se veste de invulnerabilidade. O Deus que é Todo-Poderoso escolheu não ser um Deus imune à dor. Preferiu ser um Deus acessível, vulnerável, tocável.

Eis aí um elo que nos une. Ele, que carrega eternamente as marcas da crucificação, nos lembra que as nossas deficiências — físicas, emocionais, psíquicas — não anulam nossa dignidade, não obscurecem a Imago Dei que nos habita. Se Deus não teve vergonha das marcas que a humanidade imprimiu em seu corpo, quem somos nós para esconder as nossas?

O Crucificado-Ressuscitado é resposta para toda humanidade quebrada. Ele é o Deus que não teme a deficiência. Porque, ao contrário do que pensa o mundo, ser deficiente não é ser menor. Não é ser incompleto. Não é ser indigno. É ser, simplesmente, humano — e mais que isso, plenamente abraçado por Deus.

As cicatrizes de Cristo pregam um sermão silencioso que ecoa na eternidade: “Aqui estão as marcas do amor. Aqui está o Deus que sofre, que sente, que se importa. Aqui está o Deus que decidiu, para sempre, ser também vulnerável por amor aos seus.”

E assim, toda vez que olhamos para nossas dores, nossas limitações e nossas feridas, ouvimos, da parte daquele que tem mãos perfuradas, um sussurro de esperança: “Eu também. Eu também carrego marcas. Eu também sou o Deus das mãos feridas.”


Esta crônica foi inspirada pela leitura do livro “O Deus Deficiente” (The Disabled God) de Nancy Eiesland, que me fez refletir sobre as cicatrizes eternas de Cristo e sobre como Deus se faz presente também na nossa dor, na nossa fragilidade e na nossa humanidade ferida.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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