Um retrato a óleo mostra uma mulher amorosa, que parece indiana, abraçando seu um menimo mais novo, enquanto uma menina, refletida em um espelho oval, tem expressão triste. A composição centraliza o espelho, criando uma interação emocional entre as figuras. A mulher e o menino expressam felicidade, contrastando com a preocupação da menina. A técnica realista usa cores terrosas e tons quentes, pinceladas delicadas e iluminação suave, transmitindo um ambiente íntimo, aconchegante e cheio de ternura familiar.
Crônicas

Amy Carmichael: A Menina que Queria ter Olhos Azuis

A menina que queria ter olhos azuis morava num corpo franzino, com dores inexplicáveis e alma de gigante. Amy Carmichael nascera em meio a olhos oceânicos — os da mãe, os dos irmãos, os dos anjos dos vitrais da igreja. Ela, no entanto, carregava dois olhos castanhos, como terra molhada depois da chuva. E como chovia nela…

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Desde pequena, enfrentava dores na cabeça, no rosto, no corpo — dores que os médicos não sabiam nomear direito, mas ela sentia como agulhas que vinham sem avisar. Se algum adulto olhasse aquela menina deitada por tanto tempo, talvez dissesse: “Essa aí só vai dar trabalho. Nunca será muito útil.”

Mas a alma humana é um campo que Deus semeia no silêncio.

Certo dia, a pequena Amy ouviu sua tia dizer que Deus ouve todas as orações. Aquilo brilhou nela. Quando chegou a noite, deitou-se, fechou os olhos, e com fé de quem ainda não conhece o cinismo dos adultos, disse ao Senhor:

“Obrigada por tudo, meu Deus. Mas hoje eu quero pedir uma coisa só: quando eu acordar, quero ter olhos azuis.”

Ela dormiu sorrindo, como quem já sentia a resposta.

Na manhã seguinte, correu para o espelho.

E chorou.

Os olhos continuavam castanhos. Castanhos como lama. Como poeira. Como o chão. Nada de azul, nada de céu, nada de mar.

Mas a menina cresceu. E o improvável aconteceu.

Amy quis ser missionária. Tentou a China, o Japão, mas Deus parecia responder com portas fechadas. Até que um dia, o caminho se abriu na Índia — uma terra de cores vivas, de castas rígidas, de fé em deuses que exigiam sacrifícios de crianças.

Ali, ela entendeu o motivo de tanta dor. Começou a resgatar crianças vendidas como oferendas nos templos. Comprava-as como quem redime, arrancando-as da escuridão para o refúgio de uma nova vida.

Para isso, usava borra de café no rosto. Disfarçava-se de indiana para entrar nos lugares proibidos às estrangeiras. Só uma mulher de olhos castanhos poderia fazê-lo sem chamar atenção.

Um dia, uma amiga lhe disse:

“Amy, ainda bem que você tem olhos castanhos. Se fossem azuis, jamais conseguiria se passar por uma de nós.”

A amiga não sabia da oração. Mas Amy entendeu. Deus a havia feito assim, não por descuido, mas por desígnio.

A recusa de Deus na infância era, na verdade, umsim” eterno.

Não era sobre olhos azuis. Era sobre olhos que enxergam além do espelho. Era sobre ser exatamente quem Deus planejou, para fazer exatamente o que só ela podia fazer.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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