
O Amor, o Vaso e a Vaidade
O amor, esse verbo tão conjugado nas músicas, nos púlpitos, nos stories e nos sermões de domingo, anda meio prostituído — não no sentido de que foi violentado, mas no sentido de que se vende fácil por aplausos, curtidas e aprovação moral instantânea.
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Vivemos dizendo que sabemos amar, como se amar fosse simplesmente não matar, não estuprar ou dar bom dia no elevador. Confundimos afeto com gentileza, fidelidade com presença, altruísmo com marketing de si mesmo. Pais dizem que batem por amor, e filhos crescem confundindo dor com cuidado. Cônjuges traem em nome de um amor mais sincero, mais livre, mais “eu mesmo”, como se amar fosse um direito que se encaixa no nosso conforto emocional. Quando não tem mais paixão, chamamos de evolução; quando fere, chamamos de aprendizado; quando somos nós os errados, chamamos de complexidade humana. E o amor? Ele que se dane.
Fazemos o bem e logo depois fazemos questão de anunciar: “olha como sou bom, olha como sou justo, veja minha luz brilhar diante dos homens”. Esquecemos que Jesus pediu silêncio até dos curados. Esquecemos que Paulo disse que o amor não se vangloria. Esquecemos até que Jesus morreu calado, mas seguimos fazendo selfie no calvário.
O trágico é que nem os próximos conseguimos amar. Como esperar que amemos os inimigos se não suportamos as manias da mãe, os silêncios do pai, os defeitos do cônjuge, o choro do filho autista, ou o erro do irmão na fé? A parábola do bom samaritano seria hoje sobre quem? Influencers? Pastores famosos passando direto? Um ateu ativista salvando o ferido? Ou, quem sabe, ninguém — porque todo mundo estaria ocupado demais gravando a cena.
Somos, como bem disse alguém mais lúcido do que nós, não deuses do amor encarnado, mas sim seres defecantes. Isso sim fazemos todos os dias, religiosamente. Amamos menos do que defecamos. Amamos com mais filtros do que selfies. E, mesmo assim, batemos no peito: “eu amo como Jesus”. Coitado de Jesus, que teve que morrer por gente que mal sabe o que é amor — e ousa defini-lo com emojis e frases de almanaque.
A Bíblia nos disse que Deus é amor. Mas nunca disse que nós somos. O que somos é projeto, é barro, é vaso — e não desses decorativos, mas daqueles trincados, rachados, com goteiras de vaidade e azedume. Paulo não teve pudor em dizer que somos vasos de barro, e isso é mais do que uma metáfora estética: é uma confissão.
Que o Espírito nos convença disso, porque se não soubermos o que não somos, jamais entenderemos o que só Ele pode ser em nós. Enquanto isso, seguimos falando de amor… entre um escândalo e outro, entre uma hipocrisia e outra, entre uma postagem edificante e um adultério disfarçado de “fase difícil”.
O amor não falha, sim. Mas a gente… ah, a gente ainda está no capítulo do barro. E olha lá.
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