
Uma Crítica à Monocultura das Conversas
Há uma teoria popular e repetida à exaustão — “política, religião e futebol não se discutem”. Ironicamente, é sobre isso que mais se discute. Parece até que esses três eixos se tornaram os únicos sustentáculos do diálogo cotidiano, como se fossem as últimas colunas em pé de uma civilização falida em repertório. O que era para ser evitado se tornou o prato principal, e qualquer outro assunto, se não orbitando ao redor desses temas, é descartado como irrelevante, chato ou intelectual demais.
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O problema não é falar de política, religião ou futebol, mas reduzir toda possibilidade de conversa a esses três temas, com o agravante de que se fala mal, de forma superficial, agressiva, sem escuta e sem nuance. Pior ainda: quando algum interlocutor tenta sair desse eixo, ou é interrompido por uma piada de quinta série, ou alguém puxa o assunto de volta como quem arrasta o tapete de uma ideia mais complexa.
É como se estivéssemos presos numa espécie de monocultura da linguagem, onde só se colhe o óbvio, o já mastigado, o lugar-comum. A diversidade do pensamento morre sufocada por esse vício de reduzir tudo aos mesmos debates. Cultura, por exemplo, vira sinônimo de música pop e filmes de décadas passadas. Filosofia, quando mencionada, é recebida com suspiros de desinteresse. Epistemologia soa como palavrão. E conversar sobre a experiência de uma criança na perspectiva dela? Isso soa até subversivo.
Não se fala sobre a arquitetura das cidades e sua (falta de) acessibilidade. Não se pensa no modo como tratamos os idosos, os doentes, os deficientes. E quando se toca em temas como sustentabilidade, diversidade cultural, história indígena ou africana, logo alguém reduz tudo a “mimimi”, ou volta para o velho conforto dos temas que polarizam.
E existe algo ainda mais tóxico nesse cenário: o riso fácil da chacota. A “pedagogia da quinta série” virou um padrão comportamental. Piadas com duplo sentido, insultos disfarçados de humor, escárnio como forma de afeto. Há uma crença de que rir de tudo é ser “gente boa”, mas rir de tudo — especialmente dos outros — não é leveza, é desumanização. Não vejo nisso nada de pedagógico. Para mim, isso é menosprezo mascarado de brincadeira.
Talvez seja o mundo que fala demais, sem dizer quase nada, que me faça preferir o silêncio. Afinal, o que eu, um autista com limitações na comunicação social, poderia entender de comunicação social? Mas talvez seja justamente por isso que percebo as fissuras. O ruído constante das mesmas conversas, o eco das mesmas opiniões, o cansaço das mesmas piadas.
Talvez o silêncio não seja ausência de fala, mas um grito por profundidade.
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