A imagem mostra um ambiente acolhedor e educativo, onde um grupo diverso de adultos e crianças está reunido ao redor de uma mesa realizando atividades artísticas e pedagógicas. As pessoas estão sorrindo e interagindo de maneira harmoniosa. Na mesa há desenhos coloridos, lápis, brinquedos educativos e blocos de montar. O cenário parece ser uma sala de aula inclusiva ou um espaço comunitário, decorado com bandeirolas coloridas e quadros nas paredes, transmitindo um clima de apoio, inclusão e alegria. A interação entre adultos e crianças sugere um ambiente de aprendizado colaborativo e afetivo, possivelmente relacionado à conscientização sobre o autismo e outras necessidades educativas.
Autismo

Análise Crítica do Discurso sobre o Autismo no Brasil

Nos últimos anos, o debate sobre o aumento nos diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA) tem crescido não apenas nos círculos acadêmicos e médicos, mas também no senso comum. Recentemente, um artigo publicado no R7, intitulado Por que o Brasil vive uma epidemia de diagnóstico de autismo?, assinado pelo psiquiatra Joel Rennó Jr., trouxe à tona uma visão alarmista e, acima de tudo, falaciosa sobre a questão. Este texto busca demonstrar, com base científica e lógica argumentativa, por que a narrativa apresentada é inadequada, perigosa e desinformativa.

Leia também: O Processo Diagnóstico do Autismo em Adultos

1. O Falso Alarme: A Falácia da Epidemia

O principal equívoco do artigo do R7 está no uso do termo “epidemia”. No campo da saúde, uma epidemia significa um aumento abrupto e real no número de casos de uma doença. No entanto, no caso do autismo, o aumento de diagnósticos não corresponde a um aumento no número real de pessoas autistas, mas sim à melhora na detecção e ampliação dos critérios diagnósticos.

Estudos internacionais, como os do CDC (Centers for Disease Control and Prevention, EUA), demonstram que a prevalência do autismo subiu de 1 em 150 crianças em 2000 para cerca de 1 em 68 em 2014. Contudo, esse aumento não reflete um crescimento biológico ou ambiental nos casos, mas sim:

  • Avanços nos critérios diagnósticos (DSM-IV e DSM-5);
  • Inclusão de quadros mais leves, antes desconsiderados, como a síndrome de Asperger;
  • Ampliação do acesso ao diagnóstico por populações que antes não tinham acesso.

Chamar esse fenômeno de “epidemia” não apenas distorce os fatos, mas gera pânico moral, criando a falsa percepção de que o autismo está “contaminando” a sociedade, algo absolutamente sem fundamento científico.

2. A Falácia do Diagnóstico por Interesse

O artigo sugere que há uma “indústria do laudo”, insinuando que médicos e famílias buscam diagnósticos para obter benefícios sociais e econômicos. Essa é uma clássica falácia da conspiração, que cria uma narrativa sem apresentar qualquer dado concreto.

É evidente que o diagnóstico do autismo pode garantir direitos, como acesso a terapias, educação inclusiva e benefícios assistenciais. Porém, esses são direitos fundamentais garantidos por lei, e não privilégios explorados fraudulentamente por famílias e profissionais.

Além disso, a obtenção de um diagnóstico de autismo não é um processo simples: envolve avaliações multidisciplinares complexas e baseadas em critérios rigorosos. Acusar genericamente famílias de manipulação do diagnóstico é não apenas leviano, mas profundamente desrespeitoso com pessoas que lutam diariamente contra o preconceito e pela inclusão.

3. Generalizações Perigosas e Falta de Evidências

Outro erro grave do artigo é a generalização apressada. Mesmo que existam alguns casos isolados de diagnósticos equivocados (o que pode acontecer em qualquer área da medicina), isso não significa que a maioria dos diagnósticos sejam falsos.

Na realidade brasileira, ainda existe uma enorme subnotificação de casos. Um estudo realizado em Atibaia (SP) identificou uma prevalência de 1 autista a cada 367 crianças, um número inferior à média internacional, indicando que ainda há muito a ser feito para diagnosticar quem permanece invisível aos olhos do sistema de saúde.

Portanto, ao invés de superdiagnóstico, o Brasil vive, na verdade, um cenário de subdiagnóstico histórico, que começa a ser corrigido graças ao aumento da informação e ao acesso a profissionais qualificados.

4. Conclusão

O artigo publicado no R7 falha em vários aspectos fundamentais:

  • Ignora as evidências científicas internacionais e nacionais;
  • Desconsidera as mudanças nos critérios diagnósticos e as políticas públicas de inclusão;
  • Reforça preconceitos e estigmas sociais contra pessoas autistas e suas famílias;
  • Utiliza falácias clássicas como a falsa causa, a generalização apressada e o apelo à conspiração.

A realidade é que não vivemos uma epidemia de autismo, mas sim uma ampliação do olhar da sociedade para uma condição que sempre existiu, mas que foi silenciada por falta de conhecimento e sensibilidade.

Promover uma narrativa alarmista e desprovida de base científica não contribui para o debate sério sobre saúde mental e inclusão social. Ao contrário: dificulta o acesso a direitos e aumenta o sofrimento das famílias que lutam por reconhecimento e apoio.

Fontes

Brief Report: Prevalence of Pervasive Developmental Disorder in Brazil: A Pilot Study | Request PDF

Prevalência dos transtornos invasivos do desenvolvimento no município de Atibaia: um estudo piloto

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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