A imagem mostra uma ultrassonografia em tons de cinza de um feto em gestação, vista típica de exames pré-natais. Sobreposta à imagem está um grande “X” vermelho, em traços grossos e chamativos, sugerindo a ideia de cancelamento ou rejeição. No canto superior direito, há o texto “Solottot Abortion”, reforçando a associação com a temática do aborto seletivo. O contraste entre a delicadeza da imagem fetal e a marca vermelha cria uma forte carga simbólica, crítica e provocativa, remetendo à discussão sobre eugenia e decisões reprodutivas baseadas em diagnósticos genéticos.
Política,  Saúde,  Sociedade

Eugenia Abortiva: O Silêncio que Elimina os Indesejáveis

Vivemos numa era em que os avanços da medicina genética e os testes pré-natais trouxeram conquistas inegáveis à saúde materno-infantil. No entanto, também revelaram uma face obscura da sociedade moderna: a crescente aceitação da eugenia abortiva — uma prática sistemática de eliminação de vidas consideradas “imperfeitas” ainda no ventre materno. A expressão pode parecer forte, mas é a mais apropriada quando analisamos o que está acontecendo com os bebês diagnosticados com Trissomia 21 (síndrome de Down) e outras condições genéticas na Europa e em muitos outros lugares.

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Em países como Islândia, Dinamarca, Holanda e Reino Unido, os números impressionam: acima de 90% dos fetos diagnosticados com síndrome de Down são abortados. Em alguns contextos, como o dinamarquês, praticamente todas as mulheres grávidas aceitam o rastreio pré-natal e, ao receberem o diagnóstico, cerca de 95% optam pelo aborto. Os dados não são frutos de sensacionalismo, mas extraídos de pesquisas e relatórios públicos: The Guardian, PMC NIH, Wikipedia.

Os motivos que levam a essa decisão, embora complexos, denunciam uma mentalidade social profundamente utilitarista. Em geral, os pais não justificam o aborto com base no possível sofrimento da criança, o que poderia parecer um gesto de empatia. Na verdade, os estudos revelam razões como:

  1. baixa expectativa de “enriquecimento” pessoal ou familiar com a criança;
  2. medo da carga emocional, social e financeira, ou mesmo o temor do isolamento por falta de apoio.

Ou seja, o problema não é a criança. É o mundo que não está disposto a acolhê-la.

E o mais alarmante: a decisão pelo aborto não está limitada a famílias de baixa renda ou sem acesso à educação. Pelo contrário, mulheres (muitas com seus companheiros) com maior escolaridade, maior renda e menos vínculos religiosos são as que mais optam pelo aborto seletivo, como mostra a análise publicada no PMC. Isso revela que não se trata apenas de desinformação ou desespero, mas de uma concepção racionalizada de que uma criança fora dos padrões ideais não merece viver.

Como consequência, muitas cidades europeias parecem “limpas” — ou melhor, higienizadas — da presença de pessoas com deficiência genética. Isso se agrava em contextos nos quais essas crianças são excluídas do convívio público ao serem colocadas exclusivamente em escolas especiais. Com isso, o diferente se torna invisível, e a indiferença cresce proporcionalmente à ausência.

Nesse cenário, o autismo ainda escapa da lógica eugênica apenas porque não é detectável por testes como amniocentese ou NIPT. O diagnóstico só é possível por meio de observações comportamentais, geralmente após os dois anos de idade. Mas isso não impede que, nas redes sociais, pais e mães confessem abertamente que teriam abortado se soubessem do diagnóstico antes do nascimento.

Estamos, portanto, diante de uma sociedade que perdeu o valor da diferença, da fragilidade, da humanidade como ela realmente é — diversa, imperfeita, interdependente. A performance, a estética e a produtividade tornaram-se os critérios para o direito à vida. O velho projeto eugênico do século XIX, que internava pessoas com deficiência em manicômios, agora ganhou roupagem moderna, tecnológica e socialmente aceita.

Essa situação exige um posicionamento firme. É urgente o fortalecimento de leis de inclusão, políticas públicas de apoio às famílias, escolas verdadeiramente inclusivas, moradias assistidas e, sobretudo, legislações que impeçam o aborto motivado por diagnóstico genético. A existência humana não pode ser condicionada à normalidade estatística nem à funcionalidade social.

Uma sociedade verdadeiramente justa não é aquela que elimina os vulneráveis, mas aquela que se transforma para acolhê-los.

Referências:

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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