Desde o meu primeiro emprego, fui rotulado pelos colegas de trabalho como “lento” e “desatento”. Cheguei até a enfrentar uma crise em público devido ao bullying que sofria. Na época, era jovem e tinha dificuldade em expressar meus sentimentos, então não contei nada para os patrões.
Em outro emprego, a filha de um patrão me chamou de “lento” porque demorei muito no supermercado. Confesso que, às vezes, me perco lá dentro, literalmente. Naquele dia, fiquei nervoso e a questionei, sugerindo que ela fizesse as compras.
Durante o seminário (onde estudei teologia), colegas já fizeram piadas sobre minha suposta lentidão, dizendo que eu enrolava em algumas atividades e demorava muito em visitas. Fiquei triste no começo, mas depois aprendi a ignorar esses comentários.
Em várias ocasiões, já me disseram que pareço não prestar atenção e que me distraio facilmente, o que me torna desatento. É comum eu interromper uma conversa para comentar sobre algo que me chama a atenção, como uma criança brincando ou um cachorro latindo. Essas interrupções acontecem porque meu cérebro parece precisar processar e “anotar” tudo o que é dito, o que pode ser confuso para quem está falando comigo.
Quando vou ao supermercado, meu cérebro registra os preços dos produtos e calcula o total das compras sem que eu precise de uma lista ou calculadora. Demoro porque gosto de saber exatamente o que estou comprando e quanto vou gastar. Não é algo que faço de propósito, é apenas a forma como meu cérebro funciona.
Durante as tarefas, meu cérebro pensa em várias coisas ao mesmo tempo, devido à hiperatividade cerebral comum em autistas. Mesmo realizando uma única atividade, parece que estou fazendo várias ao mesmo tempo, pensando em diferentes maneiras de executar aquela tarefa.
No meu primeiro emprego, como assistente de técnico de computadores, aprendi tão bem que assumi a vaga do técnico geral que se demitiu, com apenas 17 anos. No seminário, minha bolsa de estudos era em troca do trabalho com computadores, e meu hiperfoco em teologia e computadores me levou a ser o primeiro lugar do curso.
Descobrir que sou autista não me deu desculpas, mas me ajudou a entender melhor como meu cérebro funciona. Hoje, sei que preciso me concentrar no que realmente importa e não me cobro tanto como antes. Sou um homem adulto no espectro autista, casado, com um filho também no espectro, contas para pagar, emprego, e sou missionário e professor. Não correspondo a todas as expectativas, mas me dedico ao máximo ao que realmente importa para mim. Meu cérebro funciona de um jeito particular e peculiar, me desenvolvendo em meu próprio tempo.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.