Artigo

A Falência da Igreja que Não Acolhe os Frágeis

A igreja tem perdido sua sensibilidade pastoral. Em nome da produtividade, da performance litúrgica e da busca por relevância cultural, muitos templos tornaram-se inacessíveis física, emocional e espiritualmente. Uma das marcas mais gritantes desta falência é a negligência para com os mais frágeis: os doentes, os idosos, os órfãos, as viúvas, os encarcerados, os deficientes, os autistas, os que, por qualquer razão, não conseguem estar presentes nas “grandes celebrações”.

Tiago disse:

“A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se incontaminado do mundo.”
(Tiago 1:27)

A prática da visitação, tão clara nas Escrituras, não é um favor, tampouco um ato de caridade periférica. É uma convocação divina. Jesus disse que quando visitamos os enfermos e os presos, é a Ele mesmo que estamos visitando (Mateus 25:36). A visita é a reunião da igreja com aqueles que não conseguem mais estar presentes nas reuniões públicas. É a manifestação encarnada da comunhão dos santos. A visita não substitui a reunião da igreja — ela é a extensão da igreja para onde há dor.

Contudo, mesmo quando visitamos, parece que o objetivo é apenas “cumprir tabela espiritual”, sem nos preocuparmos com o retorno desses irmãos à comunhão plena. Poucos pensam que, com ajuda, muitas dessas pessoas poderiam ser conduzidas de volta à assembleia — não como carga, mas como parte do Corpo. Levar alguém à reunião pode ser mais terapêutico do que muitos medicamentos. Pode ser a faísca da esperança que acende de novo o amor pela vida.

Mas há um problema maior: nossas igrejas não foram feitas para eles. Os prédios, as liturgias e as lideranças foram pensados para pessoas “normativas”: sem dor, sem deficiência, sem perturbações sensoriais, sem crises, sem limitações. A arquitetura do culto e do templo reflete um evangelho higienizado e utilitarista. O corpo de Cristo se reúne, mas parece sempre amputado. Cristo, o cabeça, continua a sofrer nos membros que sua própria igreja ignora.

Falo como alguém que vê isso de perto. Minha sogra, uma idosa que amava a comunhão da igreja, foi simplesmente esquecida quando não podia mais caminhar até o templo. Nenhuma oferta de transporte. Nenhum esforço para incluí-la. Uma história que se repete em diversas denominações. A lógica é a seguinte: quem não pode servir ativamente, torna-se invisível. Descartável.

Outro exemplo é meu filho, uma criança autista, para quem o barulho dos cultos é insuportável. Infelizmente não há nossa denominação em nossa cidade. E as igrejas não estão preparadas para ele. Ou melhor, não o querem. Muito barulho, pouco acolhimento. As estruturas não estão erradas apenas fisicamente — elas revelam uma eclesiologia do descarte. É o velho adágio cruel: “quem serve, serve; quem não serve, atrapalha”. Esquecemos que o servo mais verdadeiro é aquele que ama, e que o amor tudo suporta, tudo espera, tudo sofre.

Para suprir tanto a necessidade da minha sogra quanto a do meu filho, comecei uma reunião de estudo e orações na casa dela e lá reunimos um pequeno grupo de pessoas. Participamos da ceia e nos alegramos em Cristo e uns com os outros.

Lembro-me de um episódio marcante da juventude: ao questionar um pastor sobre a acessibilidade de um novo batistério elevado, ouvi: “Se vier alguém com deficiência, a gente carrega”. Mas não é o que acontece. Essas pessoas, cansadas de constrangimentos e barreiras, param de aparecer. E, aliviada, a comunidade finge que elas nunca existiram.

O que diria Jesus a uma igreja assim? Talvez repetisse as palavras à sinagoga de Nazaré: “Hoje se cumpriu esta Escritura” (Lucas 4:21), mas depois sairia, entristecido, diante da incredulidade e da exclusão dos que deveriam saber amar.

A igreja não é um clube de úteis. É o Corpo de Cristo. Um corpo com membros diferentes, alguns mais frágeis, mas todos essenciais (1 Coríntios 12:22). Ser igreja é cuidar de todos os membros, especialmente dos que o mundo diz serem menos honrosos. Se não os acolhemos, não somos igreja — somos apenas uma assembleia religiosa que perdeu seu coração.

É tempo de arrependimento pastoral. De conversão arquitetônica. De liturgias inclusivas. De uma eclesiologia que não exclui os pequenos, os frágeis, os esquecidos. Pois se há lugar no Reino para todos, deve haver lugar também nos nossos templos, bancos, cultos, visitas e abraços.

Se a igreja não acolhe os fracos, ela já negou o próprio Cristo. E nesse caso, é a igreja que precisa ser visitada — por Ele.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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