A Lógica do Lucro: Trabalhar até quebrar

Compartilhe

Vivemos em uma era em que o valor humano é medido por métricas de desempenho e lucro. No cenário capitalista globalizado, empresas operam sob a lógica brutal da produtividade: quem rende é mantido, quem não rende é descartado. É o corte frio da eficiência. Recentemente, demissões em massa têm acontecido não apenas no Brasil, mas em várias partes do mundo. E não por falta de recursos — mas porque o sistema exige constante crescimento, mesmo que esse crescimento destrua pessoas no processo.

Leia também: A Simplicidade Esquecida da Identidade Cristã

Poderíamos tentar suavizar essa lógica com alguma analogia bíblica — como a da videira e dos ramos em João 15 (e não João 17) —, mas essa comparação seria desonesta. Na parábola de Jesus, o agricultor poda o ramo não por lucro, mas por amor, por cuidado, por desejo de frutificação verdadeira. No capitalismo, o corte não é regenerador, é excludente. O ramo cortado não é acompanhado por graça, mas jogado fora sem nenhum arrependimento. A empresa não é a videira. O CEO não é o Pai. O mercado não é o Reino.

Para os que permanecem nos cargos após as demissões, resta o consolo maquiado da “cultura organizacional”: uma festinha aqui, um bônus ali, uma camiseta personalizada com frases motivacionais. Mas tudo isso serve mais para entorpecer do que para inspirar. O homo faber — o ser humano reduzido à sua função produtiva — já não percebe mais que está sendo moído aos poucos. Aceita dobrar o expediente sem dobrar o salário. Carrega o peso de três demitidos, mas sorri no almoço da firma.

A filosofia nos alerta sobre isso há séculos. Há quem denuncie a alienação do trabalhador — afastado do produto do seu trabalho, da sua essência humana, da sua dignidade. Hannah Arendt alertou sobre o perigo de nos tornarmos autômatos que não pensam, não julgam, apenas executam. O homo faber, em sua forma mais crua, é o ser que constrói o mundo, mas não mais pensa sobre ele.

Mas e se nos lembrássemos que somos também homo sapiens? Que temos não só mãos para trabalhar, mas mente para questionar, consciência para resistir? A Bíblia nos chama à sabedoria. O livro de Eclesiastes diz: “Vi que todo trabalho e toda habilidade surgem da inveja do homem contra o seu próximo. Mas isso também é vaidade e correr atrás do vento” (Ec 4.4). Jesus, em Mateus 6, nos convida a olhar os lírios do campo e as aves do céu, que não trabalham como nós e, ainda assim, são sustentados pelo Pai. Isso não é um apelo à preguiça, mas à confiança e à libertação do jugo do sistema desumanizante.

Este artigo é, portanto, um lembrete. Um sopro. Uma tentativa de fazer o homo faber despertar para sua verdadeira identidade: a de ser humano, pensante, digno, capaz de questionar, de recusar, de propor novas formas de viver. Que o homo sapiens, escondido sob os crachás, planilhas e metas inalcançáveis, volte a respirar. Volte a pensar. Volte a existir.

banner-ousia-ebook-teologia-newsletter

Quer o meu livro "Teologia de Pé de Pequi"? Inscreva-se para receber conteúdo e ganhe o livro em PDF diretamente em seu e-mail

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.

banner-ousia-ebook-teologia-newsletter

Quer o meu livro "Teologia de Pé de Pequi"? Inscreva-se para receber conteúdo e ganhe o livro em PDF diretamente em seu e-mail

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.

Compartilhe
Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

The owner of this website has made a commitment to accessibility and inclusion, please report any problems that you encounter using the contact form on this website. This site uses the WP ADA Compliance Check plugin to enhance accessibility.