Uma imagem simbólica que retrata a dualidade do autismo como deficiência e neurodiversidade. Pessoas diversas, representando o espectro autista, estão unidas sobre uma ponte de peças de quebra-cabeça, simbolizando a conexão e a inclusão. Ao fundo, um cenário urbano monocromático contrasta com padrões vibrantes e coloridos que refletem a singularidade da neurodiversidade. O céu apresenta uma transição de nuvens escuras para uma luz radiante no horizonte, simbolizando os desafios enfrentados e a esperança de um futuro mais inclusivo.
Artigo

Autismo: Deficiência e Neurodiversidade

O ano de 2024 chegou ao fim trazendo angústias e retrocessos significativos para a comunidade autista. Agora, em 2025, o cenário continua preocupante, apontando para uma direção ainda mais desafiadora. Entre as situações mais alarmantes esteve a possibilidade de exclusão das pessoas com autismo de nível 1 de suporte da lista de beneficiários do Benefício de Prestção Continuada (BPC-Loas). Isso, por si só, já representa um ataque direto aos direitos de uma parcela significativa de nossa população. Como se não bastasse, também foi retirada a cadeira de representação das pessoas autistas no CONAD, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, na minuta mais recente. Claramente, essas medidas indicam um esforço orquestrado para deslegitimar nossa existência como Pessoas com Deficiência (PCDs) e reduzir nosso acesso a direitos fundamentais.

Essa situação ganhou ainda mais visibilidade nas redes sociais, que explodiram em debates acalorados. Em meio à polêmica, emergiram vários discursos questionáveis. Alguns disseram que os autistas estão “aparecendo demais” ou “fazendo show” na internet ao compartilhar aspectos positivos de sua condição – o que pessoas com outras deficiências sempre fizeram. Outros, incluindo profissionais, insistiram que “autismo não é um jeito de ser”. Pais de autistas que necessitam de maior suporte tentaram, mais uma vez, invalidar diagnósticos de autistas de nível 1, enquanto membros da própria comunidade autista se voltaram uns contra os outros. Mas no centro dessa confusão, a pergunta fundamental permanece: ser autista significa ser uma pessoa com deficiência, ou é apenas uma expressão natural da neurodiversidade? E mais, é possível que ambas as afirmações coexistam?

Por Que o Autismo É Uma Deficiência

O autismo é inegavelmente uma deficiência. Os manuais diagnósticos mais reconhecidos no mundo, como a CID-11 e o DSM-5, categorizam o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como um transtorno do neurodesenvolvimento. Essa definição reflete as barreiras significativas enfrentadas por pessoas autistas para viver em uma sociedade que não é projetada para acolher a diversidade neurológica. Essas barreiras incluem dificuldades de interação social, comunicação e processamento sensorial, além das crises recorrentes que muitos de nós enfrentamos, como shutdowns, meltdowns e burnout autista.

Além disso, é importante destacar que o autismo está frequentemente associado a uma série de comorbidades, como depressão, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), e até mesmo deficiência intelectual em alguns casos. As estatísticas são ainda mais alarmantes para autistas de nível 1 de suporte, que apresentam taxas elevadas de suicídio. Para aqueles que necessitam de maior suporte, as dificuldades são ainda mais evidentes, com muitos lutando para realizar até mesmo tarefas básicas e dependendo integralmente de cuidadores.

No contexto global, diversos países reconhecem formalmente o autismo como uma deficiência, incluindo os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e membros da União Europeia. Este reconhecimento é essencial para garantir o acesso a serviços especializados, educação inclusiva e suporte financeiro. Ao tratar o autismo como uma deficiência, esses países demonstram um compromisso com a dignidade e o bem-estar das pessoas autistas, permitindo-lhes participar plenamente da sociedade.

Neurodiversidade: Celebrando as Diferenças

Embora o autismo seja claramente uma deficiência, ele também é parte integrante do conceito de neurodiversidade. Este termo, introduzido pela socióloga Judy Singer na década de 1990, reflete a ideia de que as diferenças neurológicas são variações naturais do funcionamento humano. Assim como a dislexia e o TDAH, o autismo é uma forma de neurodivergência, uma manifestação da diversidade inerente à espécie humana.

O conceito de neurodiversidade não nega as dificuldades enfrentadas por pessoas no espectro autista, mas oferece uma perspectiva que valoriza suas contribuições únicas para a sociedade. Por exemplo, muitos autistas possuem uma atenção extraordinária aos detalhes, uma criatividade única e uma forma diferente de abordar problemas complexos. Reconhecer essas qualidades não elimina os desafios médicos ou sociais, mas nos ajuda a enxergar a condição de forma mais completa e humana.

É fundamental entender que o conceito de neurodiversidade é social e não médico. Ele não invalida que o autismo é uma deficiência, mas destaca que cada pessoa é única e digna de respeito e direitos. Assim, pessoas autistas não são apenas indivíduos com diagnósticos psiquiátricos; elas são seres humanos plenos, cuja experiência no mundo é moldada por suas diferenças neurológicas.

Por Que Lutamos

A visibilidade autista nas redes sociais tem sido um tema controverso. Alguns veem isso como uma oportunidade para promover conscientização e desmistificar estereótipos, enquanto outros criticam essa exposição, acusando os autistas de exagerarem sua condição. Mas, afinal, é tão errado mostrar que, mesmo com dificuldades, algumas pessoas autistas conseguem encontrar felicidade e sentido na vida?

Essa crítica reflete uma incompreensão profunda do que significa ser autista. Terapias, medicações e outras formas de suporte existem para melhorar nossa qualidade de vida, para podermos viver de forma mais digna e satisfatória. A felicidade não nega o sofrimento; ela é um sinal de que a luta não é em vão.

Infelizmente, enquanto discutimos entre nós, as ameaças externas persistem. Políticas públicas que deveriam proteger os direitos de pessoas autistas estão sendo desmanteladas, baseadas em argumentos de que é caro demais incluir e apoiar a diversidade. Não podemos permitir que isso continue. Precisamos redirecionar nossas energias para lutar contra esses retrocessos e exigir que nossos direitos sejam respeitados.

Conclusão

Neste momento, é vital que a comunidade autista permaneça unida. Não devemos nos perder em disputas internas ou permitir que nossas diferenças sejam usadas contra nós. Precisamos lutar juntos contra aqueles que tentam nos silenciar e retirar nossos direitos.

A você, pessoa autista, deixo esta mensagem: seja corajoso. Você é digno de respeito, cuidado e reconhecimento. Sua existência é valiosa e sua luta é importante. Que 2025 seja um ano de resistência, de avanço e de coragem para reivindicar o espaço que é nosso por direito. Sigamos juntos, com força e determinação, na construção de um futuro mais justo e inclusivo.

Views: 1

Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *