O Teólogo e a Igreja Doente

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A relação entre o teólogo e a igreja local é um tema que desafia tanto o compromisso com a verdade bíblica quanto a fidelidade à comunidade cristã. Quando uma igreja adoece espiritualmente, envolvendo-se com heresias ou práticas não bíblicas, o que deve fazer o teólogo? Deve ele afastar-se, abandonando a comunidade ao erro, ou permanecer, lutando pela reforma?

A resposta a esse dilema exige reflexão teológica, filosófica e prática, fundamentada nas Escrituras e na história da Igreja.

A Missão do Teólogo: Sentinela da Verdade

O teólogo é, por definição, um servidor da verdade. Sua vocação é semelhante à de um profeta no Antigo Testamento: denunciar o erro, chamar ao arrependimento e apontar o caminho da justiça. Em Ezequiel 3:17, Deus declara: “Filho do homem, eu te fiz atalaia para a casa de Israel; quando ouvires a palavra da minha boca, dá-lhes aviso da minha parte.”

O compromisso com a verdade, entretanto, não é isento de sofrimento. Cristo alertou que seus seguidores enfrentariam rejeição (Mateus 10:22). Assim, o teólogo que permanece em uma igreja envolvida em heresias ou práticas não bíblicas inevitavelmente enfrentará oposição. Contudo, é precisamente nesse ambiente que sua vocação é mais necessária.

A Igreja Como Corpo Vivo

A Igreja, segundo as Escrituras, é o corpo de Cristo (Efésios 1:22-23). Como corpo vivo, ela está sujeita a enfermidades espirituais, sejam elas causadas por falsas doutrinas, moralidade corrompida ou líderes descomprometidos com o Evangelho. Um teólogo que abandona a igreja doente é como um médico que abandona um paciente grave, negando-lhe a chance de recuperação.

O apóstolo Paulo, ao escrever a Timóteo, advertiu sobre tempos em que as pessoas se desviariam da verdade, buscando mestres que falassem o que queriam ouvir (2 Timóteo 4:3-4). A solução não era abandonar a igreja, mas pregar a Palavra, corrigir, repreender e encorajar com paciência e ensino.

A Luta Teológica: Entre Reforma e Martírio

Historicamente, grandes reformas nasceram de teólogos que permaneceram fiéis à igreja, mesmo em meio a crises. Martinho Lutero, por exemplo, não buscou inicialmente abandonar a Igreja Católica, mas reformá-la a partir das Escrituras. Sua resistência trouxe frutos para gerações.

No entanto, a permanência em uma igreja corrupta tem limites. Quando a verdade é sistematicamente rejeitada e o ambiente torna-se hostil ao ponto de impedir qualquer influência positiva, a saída pode ser inevitável. Jesus ordenou aos discípulos que, caso não fossem recebidos em uma cidade, sacudissem o pó dos pés e seguissem para outra (Mateus 10:14). Assim, o teólogo deve perseverar enquanto houver espaço para a Palavra de Deus, mas, quando for expulso ou silenciado, buscar um lugar onde possa continuar seu ministério.

Filosofia da Permanência

Do ponto de vista filosófico, a luta do teólogo em uma igreja é uma aplicação prática do ideal socrático de viver pela verdade, mesmo diante de hostilidade. Assim como Sócrates enfrentou o julgamento de seus concidadãos atenienses para permanecer fiel à busca pela sabedoria, o teólogo deve estar disposto a enfrentar rejeições por amor à Palavra de Deus.

O abandono da igreja não é apenas uma falha na missão teológica, mas também uma traição ao compromisso comunitário que define o cristianismo. O teólogo não é chamado a isolar-se em uma torre de marfim, mas a envolver-se com o povo de Deus, mesmo em sua imperfeição.

Conclusão

Se um teólogo se encontra em uma igreja que adoeceu, sua tarefa é lutar pela cura. Ele deve pregar a verdade, confrontar o erro e apontar para Cristo, o único fundamento verdadeiro. Contudo, essa luta tem limites práticos. Quando sua presença se torna infrutífera ou inviável, o teólogo pode, com consciência limpa, buscar outra comunidade que receba a verdade.

Acima de tudo, o teólogo é chamado a permanecer fiel ao Evangelho, custe o que custar. A igreja local pode falhar, mas a Igreja universal jamais será derrotada, pois Cristo prometeu que as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus 16:18). Enquanto houver esperança, o teólogo deve permanecer e lutar, não por glória própria, mas pela glória de Deus.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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