A imagem mostra o interior de uma igreja com vitrais coloridos e decoração tradicional. Fiéis de diferentes idades interagem de forma afetuosa e acolhedora. Em destaque, um homem idoso, uma mulher jovem e uma criança estão reunidos ao redor de uma senhora em cadeira de rodas, demonstrando carinho e atenção. Ao fundo, outras pessoas também conversam e se cumprimentam cordialmente nos bancos da igreja, transmitindo um ambiente de amor, inclusão, comunhão e cuidado mútuo. A cena representa bem a mensagem cristã de acolhimento contínuo dentro da comunidade de fé.
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Uns Chamados Para Acolher, Outros Para Ser Acolhidos

Há algo que a Igreja precisa encarar com seriedade, profundidade bíblica e maturidade espiritual: o acolhimento contínuo como vocação e não como falha. Nem todas as pessoas que chegam até nós serão fortes, estáveis ou prontas para liderar algum ministério. E, mais ainda, algumas nunca estarão. E está tudo bem. Alguns são chamados para ser acolhidos.

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A lógica do discipulado que abraçamos muitas vezes se parece mais com uma esteira de produção industrial do que com a organicidade do Corpo de Cristo. Esperamos que todos passem pelo “processo”: entram frágeis, são discipulados, crescem, se tornam líderes e, enfim, passam a cuidar de outros. Quando isso não acontece, sentimos que algo deu errado. Mas será que é erro… ou é simplesmente um outro tipo de chamado?

Acolher é um mandamento, não uma fase do ministério cristão. E há pessoas que Deus colocou no meio da Igreja para serem acolhidas durante toda a sua jornada. Pessoas que vivem com dores físicas extremas, limitações cognitivas, síndromes, transtornos mentais, marcas de traumas profundos, pobreza estrutural, experiências familiares desastrosas. Pessoas que talvez nunca consigam “chegar lá” no sentido que idealizamos. E isso não faz delas menos igreja, menos imagem de Deus, menos dignas do nosso amor.

Na verdade, o próprio Cristo demonstrou outra lógica. Ele acolheu os fracos, os pobres, os doentes, os excluídos. Sim, alguns se tornaram anunciadores, missionários, apóstolos. Mas muitos outros permaneceram no espaço do cuidado. E foram amados por Jesus mesmo assim.

A mulher com fluxo de sangue não virou uma pregadora. O paralítico perdoado e curado não fundou nenhuma igreja. O endemoninhado gadareno até quis seguir Jesus, mas foi enviado de volta para casa. Ainda assim, todos foram acolhidos por inteiro, sem cobranças. Jesus não curava como quem exige performance em troca. Ele curava por compaixão. E isso precisa voltar ao centro da nossa espiritualidade.

A Igreja precisa aprender a conviver com os frágeis sem os querer consertar o tempo todo. Precisamos parar de transformar o cuidado em um processo de produtividade espiritual. Alguns irão precisar ser ouvidos sempre, alguns nunca conseguirão contribuir financeiramente, alguns nunca liderarão nem mesmo uma reunião nos lares, nem deixarão certos comportamentos rapidamente — ou talvez nunca. E mesmo assim, fazem parte do corpo. Talvez sejam o coração, que não aparece, mas precisa de constante atenção.

Romanos 15:1 diz: “Ora, nós que somos fortes devemos suportar as fraquezas dos fracos e não agradar a nós mesmos.” Não se trata de fazer o outro forte à força, mas de sustentá-lo em sua fraqueza com paciência e misericórdia.

Não há vergonha em ser alguém que precisa de cuidado contínuo. E não há desonra em servir assim. Pelo contrário, há profunda beleza e humildade nisso. E há grande responsabilidade para aqueles que estão ao redor: a de amar sem se cansar, sem esperar retorno, sem condicionar aceitação ao desempenho.

Na comunidade do Cordeiro, todos têm lugar. Acolher não é apenas um ministério: é a maneira como nos parecemos com Cristo. E, às vezes, ser acolhido é a forma mais silenciosa e profunda de servir ao Reino. Porque ao permanecermos firmes no amor por aqueles que não “evoluem” como queremos, é o nosso próprio crescimento que está em jogo. Talvez Deus tenha colocado essas pessoas em nosso meio, não para mudarmos elas, mas para que sejamos transformados ao cuidar delas.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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