A Identidade Distorcida da Fé Tupiniquim
A igreja evangélica brasileira vive uma curiosa crise de identidade histórica e teológica. Não sabe se é Israel ou se é Roma. E, no meio desse limbo, tenta ser ambos — um híbrido improvável entre o judaísmo veterotestamentário e a Idade Média eclesiástica. É um caso fascinante de anacronismo espiritual, uma viagem no tempo que ignora dois mil anos de cristianismo para estacionar entre Moisés e Tomás de Aquino, sem jamais chegar a Cristo. Leia também: A Sombra do Dominionismo: Desvendando a Teologia do Domínio no Brasil O flerte com o judaísmo antigo já se tornou um relacionamento sério. É o amor platônico da igreja brasileira. Uma paixão que não…
A Sinceridade Inconveniente da Pessoa Autista
É curioso como a sociedade prega a importância da autenticidade, mas parece entrar em colapso quando encontra alguém que a pratica em sua forma mais pura. O autista, aquele sujeito que fala o que pensa sem adornos, sem os floreios exigidos pela etiqueta social, acaba sendo tachado de ríspido, inconveniente ou até insensível. O mais intrigante, contudo, é que não são outros autistas que o percebem assim, mas sim as pessoas neurotípicas — ou, como muitos autistas têm preferido chamar, os alistas. Leia também: Autismo: Deficiência e Neurodiversidade A ironia é evidente: o mesmo grupo que defende a empatia como um valor universal parece ter dificuldades em aplicá-la quando a…
A História da Dor: Entre a Cruz, o Mercado e o Silêncio
Ao longo da história da humanidade, uma constante atravessa impérios, religiões, sistemas econômicos e correntes filosóficas: nós sofremos, a dor é real. Sofremos no corpo, na mente e na alma; sofremos na guerra e na paz; sofremos na abundância e na escassez. Cada época trouxe seus próprios tipos de dores, e cada indivíduo enfrentou — e ainda enfrenta — seus próprios “demônios”. Leia também: O Peso da Dor e o Silêncio dos Cúmplices O que muda, no entanto, é como a sociedade interpreta e lida com esse sofrimento. Nem sempre existiu o conceito de vitimização. Nas sociedades antigas, lamentar-se publicamente não era, via de regra, bem-visto. A dor, quando exposta,…
Os Cinco Serviços de Todo Cristão: Contra a Hierarquia e a Idolatria do Clero
A história do cristianismo está profundamente marcada por disputas de poder, pela construção de castas espirituais e pela tentativa de estabelecer uma escada de “maiores” e “melhores” dentro do corpo de Cristo. O que começou como uma comunidade de iguais, reunidos em torno do Cristo ressuscitado, se converteu, ao longo dos séculos, em uma instituição estratificada, onde poucos mandam e muitos obedecem, onde uns pregam e outros apenas escutam, onde alguns são vistos como especiais e os demais são reduzidos a espectadores da fé. Leia também: A Síndrome do Pavão na Igreja Contemporânea Historiadores da igreja, como Justo González, lembram que o processo de clericalização foi gradual: no início, a…
O que Podemos Dizer Sobre Deus: Entre o Silêncio Humano e Sua Palavra
Vivemos cercados de discursos sobre Deus. São sermões, livros, canções, fóruns acadêmicos e até debates televisivos. Cada um apresenta um “Deus” a seu modo — ora austero, ora permissivo; ora distante, ora intimamente próximo. Mas, diante de tanta pluralidade de vozes, surge uma pergunta inevitável: o que realmente podemos dizer sobre Deus que seja verdadeiro? Leia também: Sola Caritas: O Supremo Amor de Deus “Quem é este que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento?” (Jó 38:2). Deus interrompeu Jó com essa pergunta, lembrando-lhe que nem mesmo o justo sofredor, com toda sua dor e sinceridade, estava apto a falar sobre o Criador sem antes ouvir o próprio Criador.…
O Evangelho e a Favela: Uma leitura do Texto “Igreja na favela não dá”, de Luiz Sayão
“Quando alguém se converte, muda de vida e sai da favela.”Assim afirmou, com convicção, o interlocutor de Luiz Sayão, no texto publicado em formato de carrossel digital com o título provocativo: “Igreja na favela não dá” (Texto na íntegra no final deste artigo). Diante de tal afirmação, o coração que crê e pensa não pode permanecer em silêncio. Há, sim, elementos de profunda verdade no texto de Sayão — e, com justiça, eles precisam ser reconhecidos. No entanto, há também ambiguidades sérias, falsos silogismos e riscos teológicos que não podem ser ignorados. Pior ainda: há a reprodução inconsciente de um imaginário profundamente elitista e meritocrático que, se não for confrontado…