A Crônica da Espada, da Almofada e da Noiva
Era uma terça-feira qualquer quando, entre um café quente e uma notificação no celular, vi um post no Instagram que me arrepiou mais que sermão de domingo em cadeira de plástico. Afirmava, com a segurança típica de quem nunca duvidou da própria ignorância, que a igreja está sendo “feminilizada”. Dizia mais: que a palavra pregada pela mulher já não é espada, mas almofada. E arrematava com um suspiro apocalíptico: “estamos perdendo a essência masculina da Igreja”. Fechei o aplicativo. E respirei. Não por indignação — que já aprendi a digerir com salmos imprecativos —, mas por cansaço. O cansaço de quem vê, todo dia, homens construindo castelos de autoridade sobre…
A Consciência do Outro nos Salva do Egocentrismo
Por séculos, as grandes questões da existência humana giraram em torno de si mesmas: Quem sou eu? ou Qual é o sentido da vida? dominaram as reflexões filosóficas, teológicas e científicas. Porém, ao mergulharmos na complexidade de nossa modernidade — marcada por individualismos exacerbados e um isolamento existencial — é urgente colocarmos em pauta uma pergunta tão essencial quanto as anteriores: Quem é o outro? Por que a minha consciência também o percebe? Leia também: Mitos e Realidades da Psique Humana Essa não é apenas uma indagação social ou ética, mas uma questão profundamente espiritual, filosófica e teológica. Afinal, a consciência, essa dimensão misteriosa de nós mesmos que percebe, sente…
Por Que Faço Terapia: Entre a Razão, a Fé e a Dor
Vivemos em uma época marcada por paradoxos. De um lado, nunca se falou tanto sobre saúde mental; de outro, nunca estivemos tão doentes emocionalmente. O sujeito contemporâneo, pressionado pelas exigências do desempenho, do consumo e da constante comparação nas redes, carrega um fardo psíquico que o adoece silenciosamente. Diante disso, é legítimo e urgente perguntar: sob qual ponto de vista é justificável que eu — ou qualquer um — faça sessões de terapia, busque ajuda psiquiátrica e se preocupe com a saúde mental? Leia também: Problemas da Teoria dos Quatro Temperamentos A psicologia responde de forma clara: corpo e mente não são entidades separadas. Somos integrais, e tudo o que…
Encontrando o Deus com Deficiência (tradução do inglês)
Fiz parte de várias congregações cuja prática de receber a Eucaristia inclui ir até a frente do santuário e ajoelhar-se no altar de comunhão. Muitas vezes, por estar em uma cadeira de rodas ou usando muletas, um diácono me avisa que não preciso ir até a frente para receber a Eucaristia. Em vez disso, o sacramento me é oferecido no meu assento, após todos os outros terem sido servidos. A congregação está tentando acomodar minha presença no culto. Sem dúvida, estão tentando ser conscientes e inclusivos à sua maneira. Mas, na prática, estão transformando a Eucaristia de uma experiência comunitária em uma experiência solitária para mim — de uma sacralização…
Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – Final
Parte 4 – Reforma inclusiva: do arrependimento à reconstrução As perguntas finais nos empurram para um confronto inadiável. Não se trata mais apenas de olhar para o que não foi feito, mas de encarar o que precisa nascer. Porque se a igreja não se repensar, ela não apenas falha com os irmãos e irmãs com deficiência – ela trai o próprio Cristo, que continua sendo crucificado nos corpos marginalizados e esquecidos. Eis as últimas perguntas: Leia também: Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – 3 I. O Cristo impedido de entrar A pergunta número 10 não é retórica. É dolorosamente real. Se o próprio Cristo – encarnado hoje num corpo…
Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – 3
Parte 3 – Silêncios cúmplices, discipulados rasos e o corpo invisível Se as primeiras duas partes trataram da teologia e da estrutura, essa terceira se volta à práxis discipular e pastoral. São perguntas desconcertantes porque nos expõem não só como igreja, mas como discípulos. Elas nos fazem olhar no espelho e nos perguntam: que tipo de corpo é esse que chamamos de Corpo de Cristo, mas que vive ignorando partes feridas, silenciadas, não desenvolvidas? Eis as perguntas: Leia também: Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – 2 I. O silêncio cúmplice: quando a omissão se torna pecado Poucas igrejas têm coragem de ser proféticas quando o assunto é deficiência. A…