Dia do Orgulho Autista: O Que Realmente Celebramos

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Hoje, 18 de junho, é celebrado o Dia do Orgulho Autista. Para quem vê de fora, talvez pareça contraditório: como alguém pode sentir orgulho de um transtorno? De fato, em sã consciência, ninguém se orgulha de viver com dificuldades sensoriais, sociais ou cognitivas. O orgulho que se celebra hoje, portanto, não é o da condição em si, mas da resistência. É a afirmação da vida, da dignidade, da permanência diante de um mundo estruturalmente capacitista.

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Esse dia nasceu da necessidade de contar outras histórias — histórias que por muito tempo foram silenciadas, distorcidas ou ignoradas. A celebração é uma espécie de grito coletivo de sobrevivência. Muitos de nós crescemos sem saber o nome do nosso sofrimento, sem diagnóstico, sem acolhimento. Fomos marcados por apelidos cruéis, rejeição social, punições em casa e na escola, exclusão nos grupos, e frequentemente por uma solidão brutal. E ainda assim, resistimos.

Não é um orgulho romântico ou triunfalista, desses que se exibe em redes sociais com filtros azuis e frases de efeito. É um orgulho ferido, sim, mas não derrotado. É o orgulho de quem aprendeu a viver mesmo tropeçando, de quem precisou desenvolver estratégias para sobreviver a um mundo que não foi feito para corpos, mentes e sensibilidades diferentes.

Sou grato a Deus por ter me dado graça para continuar. Gratidão por ter aprendido a descansar, a respeitar meus limites, a buscar ajuda, a me compreender melhor. Nada ficou mais fácil depois do diagnóstico — pelo contrário, o mundo continuou igual. Mas algo mudou dentro de mim: a culpa foi aos poucos substituída por consciência; a autocrítica, por cuidado; a exaustão, por pausas necessárias.

Infelizmente, muitos ainda não chegaram até aqui. Os índices de suicídio entre autistas, especialmente os de nível 1 de suporte (os chamados autistas “funcionais”), continuam alarmantes. A dor de não se encaixar, de não ser compreendido, de ser exigido além do que se pode dar, de não ter apoio, empurra muitos para o abismo. Por isso, o orgulho de hoje também é um memorial — lembrança dos que não resistiram e um clamor para que nenhum outro precise pagar esse preço.

Hoje não é dia de comemoração vazia. É dia de visibilidade, de denúncia, de luta por um mundo mais justo, mais sensível, mais atento. É dia de dizer aos nossos filhos que o futuro pode ser diferente. Que suas dificuldades não precisam ser motivo de vergonha. Que suas singularidades podem ser respeitadas. Que eles não precisam apenas sobreviver — mas também viver com dignidade.

O orgulho autista é, no fim das contas, sobre isso: sobre a resistência silenciosa que grita por justiça. Sobre transformar dor em palavra, exclusão em consciência, transtorno em testemunho.

Hoje, celebramos a coragem de continuar. E isso, sim, é digno de orgulho.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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