A sociedade contemporânea valoriza, em quase todos os seus setores, a habilidade de socializar. As relações interpessoais, o carisma e a capacidade de estabelecer vínculos rápidos e empáticos são frequentemente vistas como qualidades essenciais para o sucesso. Entretanto, essa expectativa coloca uma pressão injusta sobre pessoas que, por diversas razões, têm dificuldades com a socialização. No caso dos autistas de nível 1, essa desvantagem social é particularmente evidente, especialmente porque há uma suposição generalizada de que, por apresentarem menores desafios visíveis de comunicação em comparação com autistas de nível 2 e 3, devem ser capazes de interagir e se conectar como qualquer neurotípico.
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O autista de nível 1, muitas vezes, se vê preso em uma situação paradoxal. De um lado, ele é frequentemente visto como alguém “excêntrico” ou “antissocial”, quando, na realidade, está usando grande parte de sua energia emocional e cognitiva para “mascarar” suas dificuldades sociais — um processo conhecido como masking. Esse mascaramento envolve a tentativa de simular comportamentos sociais esperados, mas que não vêm de maneira natural. No entanto, o masking gera a impressão de que, quando o autista não socializa, é porque não deseja, e não porque não consegue. Isso leva a julgamentos errôneos sobre suas capacidades e, muitas vezes, ao isolamento social.
Em ambientes de trabalho, essa questão se agrava ainda mais. A maioria dos cargos, especialmente em níveis mais altos e em posições de liderança, exige habilidades sociais avançadas, como a capacidade de comunicação empática e de criar conexões rápidas com colegas, clientes e superiores. Para um autista de nível 1, essas exigências se tornam uma barreira quase intransponível. Embora ele possa ser tecnicamente excelente em sua função, eficiente e competente, a falta do “trato social” é frequentemente vista como uma deficiência. A comunicação objetiva, clara e direta, natural para muitos autistas, é muitas vezes mal interpretada como frieza ou desinteresse, quando, na verdade, é uma tentativa de ser o mais funcional e produtivo possível.
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O exemplo de quem trabalha com atendimento ao cliente ilustra bem essa desvantagem. Apesar de resolver as solicitações de forma rápida e objetiva, o autista de nível 1 muitas vezes não consegue desenvolver a afinidade ou a conexão emocional que os clientes tanto valorizam. Outros funcionários, mesmo menos eficientes, conseguem cativar pela empatia, prolongando as interações e criando uma sensação de vínculo. Essa capacidade de criar laços sociais, por mais superficial que seja, é frequentemente mais apreciada e recompensada do que a eficiência técnica, o que coloca o autista de nível 1 em clara desvantagem.
Não se trata aqui de falar muito ou pouco. Mesmo os autistas mais verbais enfrentam dificuldades. A rigidez cognitiva, os interesses restritos e a ingenuidade, frequentemente associados ao autismo de nível 1, tornam a socialização ainda mais desafiadora. A comunicação neurotípica está repleta de nuances, subtextos e gestos implícitos que os autistas muitas vezes não captam ou interpretam de maneira diferente. Isso leva a mal-entendidos, que podem prejudicar tanto a vida profissional quanto a pessoal.
Outro ponto crítico é a questão da “teoria da mente”, ou seja, a habilidade de entender os pensamentos, sentimentos e intenções dos outros. Muitos autistas de nível 1 enfrentam dificuldades nessa área, o que agrava ainda mais suas desvantagens sociais. Em interações diárias, a incapacidade de ler sinais sociais sutis pode criar a impressão de desinteresse ou falta de empatia, quando, na realidade, o que ocorre é uma falha no processamento dessas informações.
A sociedade, ao valorizar tanto a capacidade de socializar, acaba excluindo ou subestimando pessoas que possuem dificuldades nesse campo, ainda que sejam brilhantes em outras áreas. O autista de nível 1, em especial, encontra-se nesse limbo: suficientemente funcional para que se esperem dele habilidades sociais, mas com limitações reais que o impedem de cumprir essas expectativas.
Portanto, há uma desvantagem clara e injusta para autistas de nível 1, que é essencialmente social. A sociedade, ao invés de apoiar e compreender essas diferenças, continua a reforçar a ideia de que o sucesso está intrinsecamente ligado à capacidade de socialização. Seria mais justo, tanto em ambientes de trabalho quanto na vida pessoal, se o foco mudasse para a valorização das habilidades e talentos únicos de cada indivíduo, independentemente de suas limitações sociais.
Em conclusão, a desvantagem social enfrentada pelos autistas de nível 1 é real e tem profundas implicações. Reconhecer essas dificuldades e ajustar as expectativas da sociedade é essencial para construir um ambiente mais inclusivo, onde todos possam contribuir de acordo com suas capacidades, sem serem penalizados por não atenderem a padrões de socialização que lhes são intrinsecamente difíceis.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.
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