
Autismo: A Dor que se Explica e a Escuta que Liberta
Às vezes, tudo o que eu queria era me esquecer por alguns minutos que sou autista. Não porque ser autista seja algo que me envergonha, mas porque o cansaço de me explicar consome mais energia do que a própria condição. Há quem diga que eu falo demais sobre isso, como se a frequência da minha fala fosse um exagero, como se insistir em existir com palavras fosse uma espécie de vaidade. Mas, se não falo, me torno um enigma indecifrável aos olhos dos outros — e às vezes até aos meus.
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É curioso como a sociedade tolera melhor o sofrimento mudo. Uma pessoa em cadeira de rodas não precisa explicar por que não se levanta. Uma pessoa cega não precisa justificar por que não vê. Mas mesmo essas pessoas, cujas deficiências são visíveis, ainda enfrentam obstáculos que exigem explicações, pedidos, negociações com a indiferença alheia. E nós, os autistas, estamos no meio do invisível e do indizível. Não temos cadeira, bengala ou símbolo que nos preceda no olhar do outro. Precisamos dizer. E ao dizer, nos dizem que falamos demais.
A deficiência — qualquer que seja — não é um episódio. Ela é uma presença. Ela não nos define por completo, mas também não se ausenta de nada. Está no modo como acordamos, como nos vestimos, como lemos o mundo e como o mundo nos lê. Dizer “você não é só o autismo” é verdade, mas é também uma meia-verdade perigosa quando usada para silenciar. Porque eu também não sou sem ele. O autismo é parte do meu ritmo, da minha sensibilidade, do meu modo de pensar, da minha linguagem, dos meus silêncios.
Antes de descobrir que sou autista, eu já vivia a pergunta. Meus textos estavam repletos de tentativas de entender o porquê do meu desconforto em festas, da minha obsessão por certos assuntos, da minha solidão mesmo em companhia. Eu já falava, só não usava o nome. A descoberta não criou uma nova pessoa — apenas iluminou um território que sempre foi meu. E, nessa luz, encontrei não apenas respostas, mas também o direito de me conhecer com mais compaixão.
Portanto, quando falo sobre o autismo, não é para me vangloriar nem para ocupar espaços demais. É porque, pela primeira vez, posso respirar e ser inteiro. Não preciso que me abracem (a não ser que eu queira), mas que me ouçam. Ouvir, no fundo, é o verdadeiro gesto de amor — aquele que não tenta consertar, nem interromper, nem ajustar… apenas acolher.
Agradeço profundamente aos que me escutam sem pressa, sem julgamento, sem medo de me encontrar em camadas que ainda nem eu conhecia. São essas escutas que me permitem, vez ou outra, descansar do peso de ser incompreendido. E, quem sabe, até esquecer por alguns minutos — não que sou autista, mas que o mundo ainda tem muito a aprender sobre nós.
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