Há uma cena no primeiro filme dos Vingadores que sempre me tocou profundamente. Bruce Banner, o homem que carrega o Hulk dentro de si, é questionado sobre como consegue se transformar quando necessário. Ele responde com uma simplicidade quase devastadora:
“Esse é o meu segredo, Capitão… Estou sempre com raiva.”
Sempre achei que essa frase dizia mais do que sobre raiva. Ela falava de controle. De segurar algo tão forte e tão destrutivo que parece capaz de escapar a qualquer momento. Durante muito tempo, essa também foi a minha vida.
Eu sempre fui aquele que parecia calmo. Na escola, no trabalho, entre amigos, era o “tranquilo”, o “centrado”. Mas, dentro de mim, havia uma tempestade constante. Uma energia que pulsava e que eu não sabia o que significava. Como Bruce Banner, eu segurava o meu “Hulk” com todas as forças, mas ao contrário dele, eu não sabia quando ou como soltá-lo.
Eu não entendia que aquilo era parte de mim, e não uma aberração a ser negada. Não sabia que o meu cérebro, como o de tantos outros autistas, funcionava em uma frequência diferente — acelerado, sobrecarregado, inquieto. Não sabia que a irritabilidade e o estresse constante tinham um nome.
Por anos, reprimi meu “Hulk”, mas ao custo de mim mesmo. O que eu não dizia, se transformava em dores no corpo. O que eu não expressava, voltava como um peso no peito. O que eu segurava, acabava explodindo em crises que ninguém entendia, nem mesmo eu.
Foi o diagnóstico de autismo que colocou nome no meu caos interno. Saber quem eu era, de fato, não me fez menos humano — pelo contrário. Fez-me mais. De repente, o “Hulk” não era mais meu inimigo, mas uma parte de mim que precisava de espaço para existir.
Aprendi que não há vergonha em me retirar de uma conversa quando sinto que estou perdendo o controle. Que dizer “não” não é um ato de violência, mas de proteção. Que às vezes, deixar o “Hulk” sair, de forma consciente, é um ato de liberdade.
Hoje, meu “Hulk” está sob controle, mas nunca enjaulado. Ele faz parte da minha força, mas também da minha vulnerabilidade. Entendi que o segredo não é viver sem raiva, sem caos, sem intensidade. O segredo é aceitar quem somos e encontrar maneiras de existir plenamente, com todas as nossas nuances.
Talvez você também tenha um “Hulk” dentro de si, algo que você reprime por medo de ser incompreendido. Meu convite é: não o transforme em inimigo. Dialogue com ele. Controle-o, mas permita que ele tenha voz. Porque, no final, somos feitos de contradições — e é isso que nos torna humanos.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.