A imagem mostra uma pessoa adulta de expressão séria e melancólica, em destaque no centro da cena, caminhando em uma rua urbana. O ambiente ao redor está levemente desfocado, com figuras humanas indistintas passando ao fundo, o que reforça a sensação de isolamento e invisibilidade. A paleta de cores é composta por tons frios e azulados, transmitindo uma atmosfera de solidão, introspecção e silêncio emocional. As luzes da cidade aparecem borradas, como pequenos pontos de luz desfocados, reforçando a ideia de um mundo ao redor que segue indiferente à dor interna da pessoa retratada.
Autismo,  Neurodiversidade

Diagnóstico Autista: A Dor de Ser Invisível

A sociedade moderna gosta de acreditar que vivemos em uma era de inclusão, onde diferenças são respeitadas e onde todos têm voz. Mas para uma parcela significativa da população, essa “inclusão” ainda é uma promessa distante. Estou falando de pessoas autistas, sobretudo aquelas que carregam a dor silenciosa de viver décadas sem um diagnóstico — e, portanto, sem compreensão, acolhimento ou apoio.

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A dor de não saber

Imagine passar a vida inteira com a sensação de não se encaixar, como se falasse um idioma diferente de todos ao seu redor. Pessoas autistas sem diagnóstico vivem assim: conscientes de que são diferentes, mas incapazes de nomear essa diferença. Há um desalinhamento persistente entre o que se é e o que o mundo espera que se seja. Isso gera uma ansiedade contínua, exaustiva, que escapa ao entendimento das pessoas neurotípicas.

O cansaço, a fadiga, o isolamento emocional e social não são apenas estados passageiros. São marcas profundas deixadas por uma vida de tentativas frustradas de adaptação. Tentativas essas que, invariavelmente, falham porque não se pode “aprender” a ser neurotípico. O autismo não é uma fase, uma escolha ou um comportamento: é uma condição neurológica que afeta profundamente a forma como percebemos, sentimos e nos relacionamos com o mundo.

A comunicação que não flui

Para a maioria das pessoas autistas, especialmente aquelas com suporte nível 1 — muitas vezes rotuladas erroneamente como “leves” —, a comunicação é um campo de batalha. As entrelinhas sociais, o jogo de olhares, os gestos ambíguos, o tom de voz disfarçado: tudo isso parece um código indecifrável. O que é natural para uns, é labiríntico para outros.

No entanto, algo mágico acontece quando dois autistas se encontram: a conversa flui. As pausas são respeitadas, os silêncios são compreendidos, as repetições são acolhidas. É como se, pela primeira vez, o idioma fosse o mesmo. Isso revela o quanto a sociedade falha em perceber que o “problema” não está na pessoa autista, mas na rigidez de um mundo que valoriza apenas um padrão de comunicação e sociabilidade.

Os números que gritam

Estudos indicam que uma enorme quantidade de adultos autistas permanece sem diagnóstico. Estimativas da National Autistic Society, no Reino Unido, sugerem que até 80% dos adultos autistas nunca foram formalmente diagnosticados. No Brasil, os dados são escassos, o que por si só já denuncia o descaso. A falta de diagnóstico afeta diretamente a saúde mental: uma pesquisa publicada no Autism Research (2020) mostrou que autistas não diagnosticados têm risco aumentado de desenvolver depressão severa e pensamentos suicidas.

A taxa de suicídio entre autistas é alarmante. Segundo estudo da Autistica, uma organização britânica de pesquisa sobre autismo, autistas têm até nove vezes mais chances de cometer suicídio do que a população geral. E essa taxa se agrava justamente entre os que não têm suporte adequado — ou seja, os que não sabem que são autistas.

Diagnóstico: o nome da liberdade

Para quem nunca viveu isso, pode parecer estranho que um diagnóstico seja motivo de alívio. Mas para a maioria dos adultos autistas, o diagnóstico é uma libertação. Ele permite que a pessoa pare de se culpar por não “funcionar” como os outros. Traz autoconhecimento, abre portas para terapias adequadas, possibilita relações mais saudáveis, dá nome ao sofrimento e, acima de tudo, permite que a pessoa se veja com mais humanidade.

Mesmo assim, o diagnóstico ainda é visto por muitos com preconceito. “Para que se rotular?” “Você viveu até agora sem isso, por que precisa agora?” — são perguntas que ignoram completamente a trajetória de dor, exclusão e solidão vivida até aquele momento. O que essas falas revelam é o medo da diferença, e a recusa em admitir que talvez tenhamos sido injustos com pessoas que apenas não sabiam explicar quem eram.

A urgência do acolhimento

O diagnóstico não é um fim, mas um começo. Um começo de cuidado, de respeito, de reconstrução da própria identidade. Para isso, é preciso mais do que profissionais capacitados. É necessário que a sociedade como um todo mude sua percepção sobre o autismo, especialmente no adulto. A invisibilidade dos autistas adultos precisa acabar.

Precisamos de políticas públicas que garantam acesso ao diagnóstico gratuito e multidisciplinar. Precisamos de campanhas de conscientização voltadas também aos adultos. Precisamos ouvir os autistas falando sobre si mesmos, sem que suas vozes sejam mediadas por terceiros. Precisamos parar de exigir que eles “se esforcem para se encaixar” e começar a nos esforçar para incluí-los.

Conclusão

Ser autista e não ter um diagnóstico é viver uma tortura invisível. É caminhar por trilhas nebulosas, tentando se ajustar a um mundo que nunca considerou suas especificidades. O diagnóstico é um farol. Ele não elimina os desafios, mas ilumina o caminho. E só quem andou na escuridão por tanto tempo sabe o valor de uma luz.

Enquanto não houver escuta, acolhimento e empatia, continuaremos perdendo pessoas preciosas para o desespero, a solidão e o suicídio. A dor dos autistas não diagnosticados é real, e não pode mais ser ignorada.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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