Autismo,  Crônicas,  Neurodiversidade

Entre Silêncios, Aprendi a Me Expressar

Por dezesseis anos, minha voz foi um sussurro dentro de mim. O mundo ao redor pulsava em sons e gestos que eu não sabia traduzir, enquanto dentro de mim as palavras se acumulavam como um rio represado em diferentes “silêncios”. Eu observava, entendia, sentia, mas quase não me comunicava. E não porque não quisesse, mas porque algo dentro de mim bloqueava a ponte entre pensamento e expressão. Era como se eu fosse um estrangeiro em minha própria terra, um viajante sem idioma num mundo onde todos pareciam saber o que dizer e como dizer. Eu falava um pouco em casa, com minha família.

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Quando finalmente comecei a falar, aos dezesseis, não foi um alívio imediato, como se esperaria de alguém que esteve tanto tempo preso. Foi apenas o começo de uma nova prisão, menos visível, mas igualmente apertada. Descobri que falar não significava necessariamente ser compreendido, que a socialização não era apenas sobre palavras, mas sobre ritmos, pausas, códigos invisíveis que me escapavam. Descobri que mesmo entre amigos eu podia estar sozinho, que minha “bateria social” tinha uma carga limitada e que, ao se esgotar, me deixava colapsado, exausto de tentar pertencer.

Aos vinte e cinco, percebi que precisava me retirar. Não por querer a solidão em si, mas porque o mundo me cansava. As interações pareciam um teatro onde eu nunca havia ensaiado, um jogo cujas regras mudavam constantemente. As pessoas estranhavam meu afastamento, achavam que era escolha, que era desinteresse. Nem eu mesmo entendia completamente o porquê. Apenas sabia que o silêncio ainda era meu refúgio.

Foi só aos trinta e sete, com o diagnóstico de autismo, que tudo se encaixou. Como um espelho finalmente limpo, pude ver minha trajetória com clareza. O mutismo seletivo, a exaustão social, a sensação de estar sempre deslocado — tudo fazia sentido. Mas compreender não significa transformar. Eu ainda sou o mesmo. Ainda demoro a falar, ainda não percebo sempre o que precisa ser dito, ainda me fecho mais do que gostaria.

Paradoxalmente, sou orador, professor, pregador. Diante de um público, minha voz encontra propósito. Mas na vida comum, na troca cotidiana, ainda sou aquele menino silencioso que observa o mundo de longe, tentando entender sua língua. O silêncio nunca me abandonou. Talvez porque, no fundo, ele seja uma parte essencial do que sou.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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