
Não Sou Antissocial: Apenas Não Sei Chegar Até Você
Durante boa parte da minha vida ouvi, direta ou indiretamente, que eu era “antissocial”. Parecia ser a explicação automática para meu silêncio, meu isolamento, minha dificuldade em interagir. Mas hoje, depois de muito aprender sobre mim mesmo e sobre o espectro autista, posso afirmar com segurança: eu nunca fui antissocial. Eu sou associal — e há uma diferença gigantesca nisso.
Ser antissocial não tem nada a ver com o que eu sou. Antissocial é um transtorno de personalidade, muitas vezes associado à psicopatia, com traços de manipulação, desrespeito às regras e até mesmo violência. Essas pessoas rejeitam o convívio social por hostilidade ou desprezo.
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Já nós, autistas, somos na maioria das vezes associais. E ser associal não é rejeitar o outro: é não saber como chegar até ele. É o oposto. A gente quer se conectar — mas não sabe como. Ou quando. Ou até mesmo que precisa. E isso causa dor. Uma dor silenciosa, solitária e, muitas vezes, invisível.
Na minha infância, lembro que eu queria muito conversar com outras crianças. Mas eu simplesmente não conseguia. Não sabia como me aproximar. Não sabia como iniciar uma conversa. E, quando alguém se aproximava de mim, eu travava. Não sabia o que responder, como reagir, o que fazer com as mãos, com os olhos, com o corpo. Sentia uma tristeza profunda. Como se algo dentro de mim estivesse quebrado. Como se todos tivessem nascido com um mapa social que eu nunca recebi.
Na adolescência tive alguns colegas, e considero que tive poucas amizades. Dessas de dividir tempo, conversa, silêncio e passar tempo na casa um do outro. Mas mesmo nelas, eu era o que menos se abria. Para mim, sair de casa é difícil. Primeiro, porque eu gosto mesmo de estar em casa. Segundo, porque qualquer outro ambiente me cansa. Moro perto dos meus pais, mas se minha esposa não me lembra de visitá-los, eu simplesmente não vou. Não por falta de amor, mas porque meu cérebro não me empurra para esses gestos — mesmo que o coração queira.
No meu trabalho atual, levei sete meses para conseguir falar com as pessoas com alguma naturalidade. Sete meses. Eu passava dias inteiros sem dar sequer um “boa tarde”. Não por falta de educação, mas porque meu corpo não achava o momento certo, a abertura, o ritmo. Eu não conseguia sequer sentar à mesa no jantar junto com os colegas. Até que, um dia, um deles me chamou. Foi aos poucos. Com delicadeza. Com paciência. Hoje, já me sinto inserido. Até assumi um cargo administrativo.
Dirigir? Não gosto. Lojas? Prefiro nem entrar. A maior parte das minhas compras é feita pela internet. Evito falar com vendedores. Redes sociais, já falei demais. Áudios de WhatsApp me angustiam. Instagram não me prende. Parques, às vezes, visito com minha esposa e meu filho, e é bom. Mas meus hobbies favoritos continuam sendo ler, escrever, mexer no computador e assistir filmes e séries. Tudo, quase sempre, em silêncio. Um silêncio que não me constrange.
Aliás, dizem que o verdadeiro amigo é aquele com quem se pode ficar em silêncio sem se sentir desconfortável. Eu nunca entendi isso. Porque para mim, silêncio nunca foi constrangedor. Nunca senti obrigação de puxar assunto. Nunca senti interesse por conversas triviais. Sempre fui direto ao ponto, sempre gostei dos assuntos mais sérios, mais profundos. Minha leveza, meu senso de humor e minha parte brincalhona são raramente vistos. Estão guardados para minha esposa, meu filho, meus pais, meus sogros… e talvez alguns poucos vislumbres para quem me enxerga além da superfície.
Se eu queria ser assim? Não. Se eu gosto de ser assim? Hoje, aprendi a gostar. Aprendi a aceitar. Parei de me culpar por não conseguir fazer o que tentei a vida toda: me socializar. E, antes mesmo do diagnóstico, já havia desistido de me cobrar por isso. Eu gosto das pessoas. Mas tenho limitações. E tudo bem.
Também não cobro que ninguém se aproxime de mim. Ninguém é obrigado. Só peço que, se vierem, venham com leveza. Porque, apesar da minha rigidez aparente, eu estou aqui, inteiro, tentando. À minha maneira. Do meu jeito. E, dentro do que me cabe, amando.
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