Tentei brincar de futebol.
Houve uma época em que me interessei muito por futebol. Sabia tudo sobre os clubes, seleções e jogadores. Tinha álbuns de figurinhas e passava horas estudando cada detalhe. Futebol tornou-se um verdadeiro hiperfoco para mim.
Decidi que queria jogar. No futebol de rua, dois contra dois, eu começava a brincar, mas de repente saía no meio da brincadeira e ia embora. As outras crianças pararam de me escolher. Não era culpa delas; eu, literalmente, não sabia brincar.
Na escola, já maior, entendia que não deveria sair no meio do jogo. Então, fui jogar. A única coisa que eu via enquanto jogava era a bola. Não enxergava os jogadores; era como se não houvesse mais ninguém em campo ou na quadra. Minha visão ficava embaçada e todas as vozes pareciam um só zumbido. O problema é que eles estavam lá. Eu não entendia como os outros garotos conseguiam jogar vendo tudo diferente de mim.
Eu não conseguia passar por ninguém, nem tomar a bola de ninguém. Então resolvi jogar como goleiro e até me saí bem nos chutes de longa distância; nenhuma bola passava por mim. Mas no corpo a corpo era impossível para mim. Foram poucas vezes, e, em um jogo mais “sério”, me puseram no banco. Do nada, saí e nunca mais voltei a jogar.
Minha coordenação motora era fraca e eu tinha asma. Aproveitei isso para pedir dispensa da educação física e nunca mais precisei jogar futebol nem participar de atividades esportivas.
Recentemente, descobri que a causa dessa visão deficiente é o autismo. Algo semelhante acontece com muitas crianças e adultos no espectro. Não sou saudosista desse meu período do “futebol”, mas, como muitas crianças, já sonhei em ser um jogador.
Aprender sobre o autismo me ajudou a entender essas experiências e a aceitar minhas limitações. Hoje, percebo que muitos dos desafios que enfrentei eram comuns a outras pessoas no espectro. A chave é encontrar atividades que se alinhem melhor com nossas habilidades e interesses, permitindo que floresçamos de maneiras únicas e autênticas.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.