No correr dos séculos, as virtudes humanas se metamorfosearam à medida que a sociedade avançava, ou talvez, regredia. Se você perguntasse a 20 homens íntegros dos nossos dias qual acreditam ser a maior das virtudes, dezenove responderiam: “abnegação”. Mas se perguntasse a qualquer um dos grandes cristãos do passado, diria: “amor” (C. S. LEWIS, Peso de Glória).
Hoje, porém, se essa mesma pergunta fosse feita, é provável que a resposta ficasse entre liderança, sucesso e suas variáveis. O que houve com o amor? O que aconteceu com a virtude que uma vez foi a coroa da espiritualidade cristã?
O problema é que nossa época tem vivido uma inversão de valores. Deixamos de enxergar a santidade do amor e o banalizamos. O amor, outrora exaltado como a mais sublime das virtudes, foi relegado a um papel secundário, um mero acessório no vestuário do líder moderno. Em contrapartida, passamos a santificar a liderança e a endeusá-la. O líder, em nosso imaginário contemporâneo, tornou-se um ícone de excelência, um ser quase divino, digno de culto.
Assim, o púlpito, que outrora reverberava com a mensagem de um amor sacrificial e transformador, agora ecoa discursos sobre liderança eficaz, gestão de equipes e sucesso pessoal. Deus é retratado não como o Amante Divino que se entregou por sua criação, mas como um CEO celestial, cuja maior prioridade é garantir a prosperidade e o sucesso de seus “funcionários” terrenos. O amor, esse elemento essencial da fé cristã, passou a ser apenas uma faceta da liderança, um adorno na armadura do líder, e não mais a essência de todo cristão.
A crise de nossa era reside, portanto, em uma profunda distorção do que realmente importa. Deus não deseja que sejamos apenas líderes; Ele deseja que amemos. Porque o amor é a raiz de toda verdadeira abnegação, de toda liderança genuína e de toda vida que reflete a imagem de Cristo.
Por isso, Agostinho, em sua sabedoria atemporal, pôde dizer, sem medo algum, “ama e faz o que quiseres”. O que ele entendia, e o que precisamos desesperadamente redescobrir, é que o amor é a essência, o alicerce, a virtude que sustenta todas as outras. Quando amamos verdadeiramente, todas as outras virtudes — liderança inclusa — encontram seu lugar correto, subordinadas ao amor que tudo define e tudo consome.
Voltemos, então, ao primeiro amor, à virtude que os antigos chamavam de maior de todas. E ao fazermos isso, talvez redescubramos não apenas o que significa ser cristão, mas também o que significa ser humano.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.