O Vício à Prosperidade Eclesiástica

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Há uma idolatria oculta no meio evangélico, uma devoção cega que se camufla entre números e sucessos aparentes. A obsessão pela quantidade tem distorcido o foco da fé cristã, substituindo a simplicidade do Evangelho pela ambição de encher templos, contas bancárias e agendas ministeriais. A cultura de resultados rápidos e grandiosos contaminou o coração de muitas igrejas, tornando o sucesso terreno o padrão de medida da bênção divina. Mas a pergunta que fica é: será que essa prosperidade numérica agrada a Deus?

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Um dos exemplos mais evidentes dessa cultura é o fascínio por igrejas com um grande rol de membros. Quando o número de pessoas ultrapassa a casa dos milhares, não se questiona como isso foi alcançado, nem quais concessões foram feitas para “crescer” tanto. O pastor é visto como um líder de sucesso, e qualquer crítica é rapidamente sufocada pelo argumento de que “os membros têm se esforçado e o líder está sendo abençoado”. A superficialidade desse raciocínio ignora que crescimento numérico não necessariamente indica crescimento espiritual.

Outro sinal claro desse vício está na relação com o dinheiro. Ofertas e dízimos abundantes são celebrados como evidência de que “Deus abençoou a igreja”. Assim, vemos igrejas que não hesitam em recorrer a pregadores que usam métodos questionáveis para aumentar as doações, justificando que “os fins justificam os meios”. Poucos questionam a ética envolvida ou o impacto a longo prazo de uma mensagem que transforma o culto em um mercado, onde Deus se torna apenas um meio para um fim materialista.

O culto lotado e barulhento é mais uma dessas “provas” de sucesso. As programações e eventos, frequentemente, são vistas como necessárias para atrair pessoas, mesmo que isso signifique adaptar a mensagem para caber na expectativa do público. “Precisamos de iscas para que muitos ouçam a Palavra”, dizem, esquecendo que iscas podem atrair, mas não transformam corações. Muitas vezes, o barulho excessivo, a supervalorização dos dons e a ênfase no espetáculo se tornam substitutos para a genuína comunhão e o crescimento na fé.

A agenda cheia de compromissos ministeriais, cursos e seminários também é vista como um sinal de que Deus está “usando” a pessoa. A fama dentro do meio evangélico é lida como um sinal de aprovação divina, mas será que essa exposição midiática reflete a verdadeira missão do Evangelho ou apenas alimenta o ego e o desejo humano de ser notado? Infelizmente, em muitos casos, a agenda se torna tão cheia de compromissos “para Deus” que não há mais espaço para o próprio Deus.

E, por fim, há a idolatria da longevidade denominacional e dos títulos acadêmicos. Se uma denominação tem séculos de existência, isso é imediatamente visto como sinal de autenticidade e respaldo bíblico, sem que se questione se, ao longo do tempo, ela permaneceu fiel à mensagem original de Cristo. Da mesma forma, o número de diplomas e títulos de um pastor é tomado como um selo de santidade, como se o conhecimento acadêmico fosse garantia de retidão espiritual. Não são poucos os que têm doutorados e cursos, mas carecem de uma vida genuinamente devota.

A igreja de hoje, mais do que nunca, precisa olhar para dentro de si mesma e reavaliar o que realmente significa ser próspera aos olhos de Deus. O verdadeiro Evangelho não está nos números, nas contas bancárias ou nos diplomas acumulados, mas na transformação de vidas, na busca pela verdade, e no serviço humilde a Cristo. Quanto mais se mostra, mais é preciso ser avaliado.

A prosperidade, quando não questionada, se torna um ídolo. E, como qualquer ídolo, desvia o olhar daquilo que realmente importa: a simplicidade do Evangelho e a profundidade da comunhão com Deus.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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