A Crônica da Espada, da Almofada e da Noiva

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Era uma terça-feira qualquer quando, entre um café quente e uma notificação no celular, vi um post no Instagram que me arrepiou mais que sermão de domingo em cadeira de plástico. Afirmava, com a segurança típica de quem nunca duvidou da própria ignorância, que a igreja está sendo “feminilizada”. Dizia mais: que a palavra pregada pela mulher já não é espada, mas almofada. E arrematava com um suspiro apocalíptico: “estamos perdendo a essência masculina da Igreja”.

Fechei o aplicativo. E respirei.

Não por indignação — que já aprendi a digerir com salmos imprecativos —, mas por cansaço. O cansaço de quem vê, todo dia, homens construindo castelos de autoridade sobre os escombros da sensibilidade. O cansaço de quem sabe que, no fundo, a crítica à “feminilização” da igreja é apenas uma versão eclesiástica da velha síndrome de Adão: culpar a mulher por sua ausência no jardim.

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O curioso é que a Bíblia, essa mesma que tantos usam como martelo, não fala de uma igreja espada, mas de uma igreja noiva. Isso mesmo: feminina. Delicada, mas corajosa. Frágil, mas perseverante. A noiva de Cristo é adornada com pureza, com fé, com amor — não com testosterona. Se a Igreja fosse um corpo masculinizado, talvez Jesus não tivesse chorado. Talvez tivesse dado um sermão em Maria Madalena no túmulo, em vez de se revelar a ela primeiro. Talvez não tivesse deixado que mulheres anunciassem sua ressurreição antes dos apóstolos fujões.

Mas Ele deixou.

A história da Igreja é, sim, marcada pela presença das mulheres. Quando os homens não estavam — por covardia, por trabalho, por ego —, elas estavam. Quando os púlpitos eram tronos, elas varriam os corredores. Quando os microfones ainda não as alcançavam, elas oravam em silêncio e tocavam o céu com mãos calejadas.

Dizer que a palavra da mulher virou almofada é não entender que, às vezes, é a almofada que salva. Que consola. Que acolhe. Que evita que a espada vire punhal.

Ser mulher na igreja é viver entre o chamado e a resistência. E ainda assim, elas seguem. Seguem pregando, pastoreando, aconselhando, escrevendo, curando, ensinando. Seguem, mesmo ouvindo que são “emocionais demais” — como se emoção fosse pecado, como se Jesus não tivesse tremido no Getsêmani.

Não, a igreja não está sendo feminilizada. Está apenas começando a ouvir quem sempre falou baixo para não incomodar. Está apenas permitindo que a graça tenha voz feminina, que a justiça tenha rosto de mãe, que a profecia tenha o timbre das que choraram antes de falar.

Afinal, se há algo de divino nisso tudo, é justamente o fato de que o Reino pertence aos que choram, aos que são como crianças, aos que servem — não aos que se acham donos da espada.

E se a Palavra, pregada por uma mulher, for almofada, que assim seja.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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