Devaneios de um Cristão Autista

Todos os dias, uma torrente de pensamentos e devaneios atravessa meu cérebro com uma velocidade maior do que parece possível de processar. Não são pensamentos sem sentido ou frutos de uma mente descontrolada. Tudo que penso, de algum modo, parece estar conectado. Mas a conexão entre o pensar e o dizer demora a acontecer. Para o agir, então, é uma eternidade.

Não me sinto atormentado pelos meus pensamentos; minha mente está a mil, mas isso não me desgosta. Desde criança, aprendi a conviver bem com isso. O que eu gostaria de manejar melhor é uma certa “procrastinação” que dificulta transmitir o que penso e sinto para descrever a realidade como a vejo. A realidade é única, mas há várias perspectivas sobre ela, e sinto necessidade de transmitir a minha, apesar de não conseguir fazê-lo.

Meu pensar é como um constante looping em que pensamentos e sentimentos vêm e são retomados continuamente. O pensar e sentir desde minha infância se mistura com o atual, levando-me a novas experiências sobre antigas vivências.

Por isso, intitulei este artigo de devaneios, não por falta de coerência, muito pelo contrário, mas pela infinitude do devir, do vir-ir-e-vir. Meu pensar e sentir nunca estaciona e nunca se vai. Não há pensamento que eu já tenha tido que não volte a ter. Não há sentimento que eu já tenha sentido que não sinta de novo.

Contudo, não há palavra alguma que eu diga que se repita com o mesmo sentido. Todo meu pensar e sentir já pensado e sentido é retomado e flui junto a todo novo pensar e sentir.

A fluidez do meu viver é menos fluida que meu pensar e sentir. Vejo-me em um subterrâneo infinito da potencialidade da minha alma, onde percebo a realidade de uma maneira que a maioria das pessoas não vê, mas não consigo expressar como a enxergo. O fluir do falar é como uma pequena mina de água, e eu, um escavador em uma caverna que sou eu mesmo. Escavo na tentativa de encontrar uma fresta, mas sempre que a encontro, ela é tão pequena que a água que sai nunca é suficiente.

Meu pensar e sentir não é melhor, apenas é outro, o outro que sou eu. Mas, sem dúvida, meu fluir-falar não é tão bom quanto gostaria e muitas vezes é pior do que esperava.

Pensar sobre a realidade como a enxergo agora, num ponto de vista que se formou ao longo da minha vida como pessoa, criança-jovem-adulto, tentando ser normal mesmo sendo atípico, ou seja, com um cérebro diferente, autista. Ser cristão como estou sendo sem ainda ser, estudar minha fé como ela não é e descobrir como deveria ser, tentar ensinar como vi(ver) mesmo não sabendo como ser o ser que sou. O que me resta do viver é missionar as missões, como missionário do viver e ensinar aquilo que penso e sinto que aprendo.

Se você leu até aqui, me perdoe por divagar devagar, vagando pelo subterrâneo do meu pensar e sentir que tento expressar. Minha teologia é assim também, meu ser/eu, seja como esposo ou pai, segue esse mesmo ritmo, entendendo menos do que gostaria e pensando/sentindo mais do que posso expressar, à espera de encontrar uma brecha do tamanho de uma cachoeira por onde eu possa me sub-verter sem ser subvertido (perdão pelo trocadilho final).

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