Dias Nublados e Memórias Afetivas

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Há um encanto secreto nos dias nublados, uma espécie de abraço silencioso que o céu nos oferece quando as nuvens se fecham sobre o mundo, abafando o excesso de luz e calor. Nesses dias, sinto que o tempo se aquieta, as horas se tornam mais lentas e há uma suavidade no ar, como se o mundo inteiro respirasse em sincronia com meu corpo.

Quando as nuvens se espalham pelo céu, criando um teto de sombra, algo em mim desperta. Sinto-me mais leve, mais presente. A luz difusa não agride meus olhos, o calor não sufoca minha pele. O sol, embora escondido, parece entender que há momentos em que seu brilho intenso é demais para aqueles cujos sentidos são afiados demais para o comum.

É nos dias nublados que encontro alegria nos pequenos gestos, vontade de sorrir, de bater palmas, de celebrar o simples. O mundo desacelera, as ruas ficam mais vazias, as pessoas se recolhem e eu, paradoxalmente, sinto-me mais livre para caminhar, para falar, para estar. O suor, que em dias de sol me raspa a pele como uma lembrança amarga, cessa, e minha respiração, normalmente ofegante e cansada, encontra paz.

Esses dias me fazem voltar à infância. Lembro-me da fazenda, de correr pelos pastos úmidos com as nuvens escuras prometendo chuva. As primeiras gotas caíam, misturando-se ao cheiro de terra molhada e capim fresco. Eu corria livre, meus pés descalços afundando na lama, rindo ao lado da nossa porca de estimação, sem pressa, sem o peso do mundo que só vem com os anos. A chuva era uma amiga antiga, um convite à brincadeira e à liberdade.

Hoje, cada dia nublado me reconecta a essas memórias. Há algo de eterno nesses momentos, algo que transcende o presente e me leva de volta àqueles dias simples, onde a única preocupação era correr mais rápido que as nuvens. Talvez por isso eu ame tanto os dias assim. Eles são pontes para um tempo em que a vida era leve e o mundo, por um breve instante, era só céu, chuva e alegria.

E, assim, vivo cada dia nublado como uma homenagem àquele menino correndo nos pastos, entre o gado, sob o céu cinza. Como uma recordação de que, no meio da neblina, há sempre um lugar onde a alma pode descansar e se reencontrar.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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