Vivemos em um país onde a retórica política proclama frequentemente a busca pelo progresso e a ordem. No entanto, para muitos, essa promessa de avanço é apenas uma miragem. A pandemia de Covid-19 trouxe à tona uma realidade cruel: a maioria dos que pereceram eram homen(s), negro(s) e pobre(s). Três características que, infelizmente, definem os invisíveis da nossa sociedade.
Os dados não mentem. Mais homens morreram do que mulheres, pois são eles que, em sua maioria, trabalham fora de casa, expondo-se ao vírus diariamente. A cor da pele também se tornou uma sentença. Pessoas negras, pardas e indígenas morreram em proporções significativamente maiores do que os brancos. E a condição econômica? Os pobres sucumbiram muito mais frequentemente do que os ricos. A combinação desses fatores revela um padrão sistêmico de desigualdade que se agrava em tempos de crise.
A pandemia só intensificou o que já estava enraizado. O pobre é atingido de todas as formas: a taxação da carne, um item básico em sua alimentação, sufoca ainda mais seus parcos recursos. Os impostos sobre importados para uso pessoal aumentam o custo de itens que poderiam melhorar sua qualidade de vida. Os elevados custos dos planos de saúde tornam a assistência médica de qualidade um privilégio inalcançável para muitos.
A proibição de caridade, com multas para aqueles que ajudam pessoas em situação de rua, e a instalação de arquitetura anti-mendigos, demonstram uma crueldade institucionalizada. As políticas urbanas parecem mais interessadas em esconder a pobreza do que em resolvê-la. E não podemos esquecer a recente onda de medidas que visam dificultar ainda mais a vida dos trabalhadores autônomos e informais, forçando-os a uma exaustão contínua para satisfazer os desejos de grandeza de uma elite intocável.
O chicote sempre cai sobre o lombo do pobre. Políticos, de direita e de esquerda, com raras exceções, agem como capatazes modernos, perpetuando um sistema que esfolam e espoliam os mais vulneráveis. O pobre trabalha até a exaustão, enquanto os frutos de seu labor alimentam os banquetes de poucos. A pátria do “ordem e progresso” revela-se um regresso ao higienismo e ao trabalho barato e escaldante. O progresso é, na verdade, um privilégio restrito àqueles que enchem os bolsos e cofres na mesa da nação. Aos pobres, restam as migalhas que caem dessa mesa.
Enquanto a riqueza de poucos cresce exponencialmente, a miséria de muitos se aprofunda. A promessa de um futuro melhor transforma-se em uma piada amarga para aqueles que carregam o país nas costas. A verdadeira mudança só virá quando deixarmos de tratar os sintomas e começarmos a curar a doença que é a desigualdade. Até lá, o lombo do pobre continuará a sentir o peso de um sistema que insiste em mantê-lo acorrentado.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.