O Peso da Dor e o Silêncio dos Cúmplices

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Há uma diferença abissal entre vitimização e a simples narração do sofrimento. Vitimização é quando alguém, de forma deliberada ou inconsciente, se coloca perpetuamente no papel de vítima para evitar responsabilidades, manipular situações ou justificar a própria inércia. Mas falar da dor que carregamos, nomear as feridas que nos marcaram, apontar os agressores que nos machucaram — isso não é vitimismo. É sobrevivência.

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Quantas vezes o grito do ferido é abafado pelo discurso fácil de quem nunca sentiu o mesmo corte? “Pare de reclamar”, “supere”, “isso é vitimização” — frases que, não raro, saem da boca daqueles que ou são os algozes ou são cúmplices do silêncio. Há uma crueldade disfarçada de sabedoria nesse tipo de conselho, como se a cura viesse do esquecimento, e não da verdade.

A história cristã, no entanto, nunca fugiu da narrativa do sofrimento. Jesus foi chamado de “homem de dores” (Isaías 53:3), e os evangelhos não pouparam detalhes sobre sua agonia: o suor de sangue, a traição, a coroa de espinhos, o abandono, o grito na cruz. Nada disso foi registrado para que os discípulos cultivassem um complexo de vítima, mas para que entendessem que a redenção passa pelo reconhecimento da dor, não pela sua negação. Paulo, que antes perseguia a igreja, depois só pregava “Cristo crucificado” (1 Coríntios 2:2), porque sabia que a ressurreição só faz sentido quando encaramos a realidade da morte.

Falar do que sofremos não é fraqueza — é coragem. Calar-se por medo de ser acusado de vitimismo é permitir que a injustiça se repita. Cristo não se fez de coitado, mas também não escondeu suas chagas. Ele as mostrou aos discípulos, prova de que a dor não é vergonha, e sim parte da história.

Se há algo que a fé nos ensina, é que a cura começa quando a ferida é nomeada.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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