Crônicas

O Relógio da Alma: Agora e Eternidade

A vida é uma dança entre o relógio e a eternidade. Enquanto muitos correm em direção a um futuro que parece sempre fugir, eu me encontro parado — não por inércia, mas por escolha — no agora. O agora é meu refúgio, meu templo, meu deserto e meu jardim. É nele que percebo a textura do tempo, não como uma linha reta que nos empurra para frente, mas como um círculo sagrado que nos convida a habitar cada instante com plenitude.

Desde criança, eu nunca entendi a pressa dos outros. Enquanto meus colegas ansiavam por crescer, por deixar a infância para trás como se fosse um fardo, eu me agarrava a ela como quem abraça um tesouro. Cada dia era uma descoberta, cada momento uma eternidade em miniatura. A adolescência, com suas dores e delícias, também foi assim: não desejei que passasse rápido, mas mergulhei nela como quem mergulha em um rio, sentindo a água correr sobre a pele, fria e viva. Até mesmo nas horas mais difíceis, quando a doença batia à minha porta, eu não fugia. Eu sentia. Eu existia. E, de alguma forma, isso me mantinha vivo.

Moisés, em sua oração, pede a Deus: “Ensina-nos a contar nossos dias de tal maneira, para que possamos trazer um coração de sabedoria”. Que pedido Maravilhoso! Ele não está falando de acumular anos, mas de viver dias. Não se trata de quantificar o tempo, mas de qualificá-lo. Enquanto o mundo conta a vida em anos — “quantos anos você tem?” —, Moisés nos convida a contar em dias, em momentos, em instantes. Porque é no agora que a sabedoria se revela. É no agora que a vida acontece.

Os coachs gostam de dizer: “Todos temos as mesmas 24 horas”. Mas isso é uma ilusão. As 24 horas de um trabalhador exausto não são as mesmas de um milionário que desfruta do ócio remunerado. Ninguém tem as mesmas 24 horas que eu tenho. As minhas horas são minhas, pessoais, intransferíveis. Elas não são um recurso a ser gasto, mas um dom a ser vivido. E viver não é apenas passar pelo tempo, mas habitá-lo. Não é gastá-lo apenas para ganhar dinheiro. É sentir o sol na pele, o vento no rosto, a dor no peito, a alegria no coração. É estar presente, completamente presente, em cada respiração, em cada batida do coração.

Renato Russo, em sua canção, diz que “o amanhã não existe”. E ele está certo. O amanhã é uma promessa, uma esperança, uma possibilidade, mas não é real. O real é o agora. O agora é o único lugar onde podemos viver, amar, chorar, rir, existir. E é no agora que encontramos a eternidade. Não a eternidade como um tempo infinito, mas como uma qualidade de presença, uma conexão com o divino que habita em cada instante.

Ser autista, para mim, talvez tenha sido uma bênção disfarçada. Dizem que autistas têm uma percepção diferente do tempo. Não sei se é verdade, mas sei que eu vejo o tempo de uma maneira que muitos não veem. Para mim, o tempo não é uma linha, mas um mosaico. Cada momento é uma peça única, colorida, cheia de significado. E eu me deleito em contemplar cada uma dessas peças, em sentir sua textura, em descobrir seu lugar no todo.

Viver o agora não é fácil. Exige coragem, porque o agora pode ser doloroso. Exige atenção, porque o agora pode ser fugaz. Exige fé, porque no agora podemos sentir incerteza. Mas é no agora que encontramos a vida verdadeira. É no agora que encontramos a nós mesmos. E é no agora que encontramos Deus.

Por isso, eu não espero pelo amanhã. Eu não desejo que o tempo passe rápido. Eu não conto os dias até a sexta-feira, até o feriado, até as férias. Eu conto os dias como Moisés: com um coração de sabedoria. E, assim, descubro que cada dia é um presente, cada momento é uma eternidade, e cada instante é uma oportunidade de viver, de amar, de ser.

O tempo não é nosso inimigo. Ele é nosso aliado, nosso mestre, nosso espelho. Ele nos mostra quem somos, o que valorizamos, como vivemos. E se aprendermos a contar nossos dias — não em anos, mas em momentos —, talvez descubramos que a vida não é uma corrida, mas uma dança. E que o agora, esse instante fugidio e eterno, é o único lugar onde podemos realmente viver.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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