Dizem que o perfeccionismo virou qualidade. De repente, entre as linhas de currículos e nas respostas ensaiadas de entrevistas, ser “perfeccionista” passou a soar como uma virtude discreta, uma joia rara de dedicação incondicional. O curioso é que, nos testes de personalidade mais populares, essa tal virtude vem sempre rotulada como um defeito disfarçado de zelo. Um “ismo”, tão carregado quanto qualquer outro dogma. Perfeccionismo? Nada mais é que uma forma moderna de idolatria, uma adoração obsessiva a um padrão inalcançável que promete tudo e não entrega nada.
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A ironia está no fato de que o capitalismo, com sua habilidade inata de transformar até as falhas humanas em lucro, abraçou essa mania de perfeição com um sorriso perverso. O “profissional perfeccionista” é o operário ideal: incansável, dedicado ao erro mínimo, sempre insatisfeito e pronto para se culpar. E assim, o ciclo se fecha: uma produção constante, uma busca incessante por um erro invisível que, quando encontrado, não leva à satisfação, mas sim ao início de uma nova jornada frustrante.
Mas há um custo. O perfeccionista sacrifica sua saúde mental e física no altar da eficiência. O que deveria ser apenas uma ferramenta se torna um ídolo insaciável. Exausto e consumido, ele perde a capacidade de distinguir entre o essencial e o supérfluo, entre o que é bom o suficiente e o que é apenas mais um reflexo distorcido de um ideal inalcançável. E quando o corpo e a mente não suportam mais, o sistema que tanto aplaudiu sua devoção o descarta sem cerimônia, como quem se livra de uma máquina defeituosa.
No cristianismo, a crítica vai mais fundo. O perfeccionismo não é apenas um fardo, é um pecado travestido de virtude. Ele tenta roubar o lugar da Graça, substituindo o sacrifício perfeito de Cristo por uma crença arrogante de que podemos, com nossas próprias mãos trêmulas, moldar uma vida sem falhas. Esquece-se de que a perfeição já nos foi dada, não como conquista, mas como presente. Quem vive para ser perfeito por si se torna não um seguidor de Cristo, mas um fariseu moderno, erguendo muros de rigor onde deveria haver pontes de compaixão.
Perfeição, afinal, nunca foi o chamado. A vida em abundância está no descanso, no entendimento de que falhas nos tornam humanos, e a graça de Deus é que nos torna inteiros.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.