Ser Fã e a Tirania da Devoção

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Já são 43 anos e ainda me pego intrigado com o amor e a paixão que muitos dedicam aos seus ídolos, artistas, figuras públicas. Não é que eu menospreze a admiração que sentem; pelo contrário, reconheço o talento de várias pessoas, algumas até me inspiram. Mas o que eu nunca consegui compreender é a intensidade desse sentimento de veneração.

Não sei se isso é reflexo do autismo ou se está ligado ao meu jeito peculiar de ver o mundo, mas a verdade é que, se dependesse de mim, essas pessoas famosas não teriam suas multidões. Jamais acamparia em uma fila para vê-las, tampouco teria as paredes cobertas com pôsteres ou os ouvidos atentos a cada detalhe de suas vidas. Ser fã, percebo, é algo muito mais intenso do que apenas admiração. É quase uma necessidade que ultrapassa qualquer lógica, movida por uma energia inexplicável que faz com que alguém seja capaz de sacrificar tempo, dinheiro e até conforto por um instante de proximidade com o ídolo.

Admito, houve duas ocasiões na vida em que experimentei algo que, talvez, se aproximasse desse sentimento. Mas não sei se posso chamar isso de “ser fã”. Era, na verdade, uma espécie de hiperfoco. O primeiro foi na adolescência, com uma atriz. Me vi fascinado, quase obsessivo. Sonhava com ela, consumia qualquer informação que aparecesse, e o que senti foi mais uma prisão do que uma alegria. Dizer que era desgastante seria pouco. Era uma mistura de fascínio e tormento. Que alívio foi quando aquele sentimento se desfez, depois de dois anos!

O segundo caso foi com o futebol. De repente, entrei em uma fase em que parecia saber tudo sobre o esporte. Eu sabia os nomes dos jogadores de quase todos os times nacionais e de centenas de estrangeiros. Não importava se eram famosos ou desconhecidos; cada um tinha um lugar em minha memória. Mas também passou, assim como a primeira experiência. E hoje, o futebol não me interessa nem um pouco. Para mim, aquela fase foi mais uma curiosidade do que uma paixão verdadeira.

Quando penso sobre isso, percebo que talvez nunca compreenda o que é, de fato, “ser fã”. Se esse sentimento é mesmo o que experimentei com esses hiperfocos, fico feliz por não sentir essa necessidade de viver para outra pessoa. A prisão de admirar à distância, sem espaço para questionar, sem liberdade para existir além da presença de alguém que nem sabe que você existe… Que bom que não carrego essa ânsia em mim.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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