A imagem mostra um jovem homem negro de cabelo cacheado e uma jovem mulher branca de cabelo loiro presos em um intenso olhar um para o outro, separados por um espelho quebrado. As rachaduras do espelho criam fragmentos ao redor de seus rostos, refletindo diferentes ângulos e perspectivas. A luz suave do entardecer reforça a atmosfera contemplativa e simbólica da cena, sugerindo temas como alteridade, identidade e consciência compartilhada.
Filosofia

A Consciência do Outro nos Salva do Egocentrismo

Por séculos, as grandes questões da existência humana giraram em torno de si mesmas: Quem sou eu? ou Qual é o sentido da vida? dominaram as reflexões filosóficas, teológicas e científicas. Porém, ao mergulharmos na complexidade de nossa modernidade — marcada por individualismos exacerbados e um isolamento existencial — é urgente colocarmos em pauta uma pergunta tão essencial quanto as anteriores: Quem é o outro? Por que a minha consciência também o percebe?

Leia também: Mitos e Realidades da Psique Humana

Essa não é apenas uma indagação social ou ética, mas uma questão profundamente espiritual, filosófica e teológica. Afinal, a consciência, essa dimensão misteriosa de nós mesmos que percebe, sente e se reconhece no mundo, só se torna plena quando percebe que há outros. E mais: quando percebe que o outro também é um eu. A alteridade, portanto, não é um apêndice da consciência, mas parte de sua própria constituição.

A consciência que se fecha em si mesma se torna um cárcere. Já a consciência que se abre ao outro, encontra liberdade e sentido. Quando olhamos o mundo a partir do outro, descobrimos que ele não é apenas um reflexo de nós, mas uma realidade inteira, autônoma, viva. Cada outro é um universo que vê o mundo por um prisma diferente — e cada visão é uma faceta legítima da realidade. O mundo é multiforme porque os olhos que o veem são múltiplos.

Então, não basta mais perguntar: Qual é o sentido da vida? Precisamos perguntar: Qual é o sentido da vida do outro? Por que ele está aqui, agora, comigo? Há um entrelaçamento profundo entre existirmos lado a lado. Somos mais do que seres simultâneos — somos seres que se entrecruzam, que se tocam, que influenciam e são influenciados. A pergunta sobre o outro desestabiliza o nosso egocentrismo e desloca o eixo do mundo de nossos próprios umbigos.

Essa reflexão tem ressonância direta na teologia cristã. Em Cristo, o outro não é apenas o próximo — ele é parte de mim. Fomos chamados para ser corpo, e corpo pressupõe unidade na diversidade. A graça de Deus se manifesta em mim e no outro, e é pela fé que somos feitos filhos do mesmo Pai. Isso nos distancia radicalmente da ideia de um “eu salvo” isolado. A salvação é comunitária, e quem se recusa a ver o outro, a cuidar do outro, a amar o outro, se recusa a estar em Cristo.

Jesus deixou isso claro quando afirmou: “Tudo o que fizestes a um destes meus pequeninos, a mim o fizestes.” A solidariedade não é um gesto moral apenas — é um gesto teológico. Negar o outro é negar a Cristo. E quem está fora de Cristo está só. E quem está só, está perdido.

Não há salvação no isolamento. Não há humanidade plena sem alteridade. A pergunta sobre o outro não é secundária — é essencial para compreendermos quem somos e para onde estamos indo. Não somos deuses solitários, mas criaturas interdependentes. E talvez a verdadeira resposta para “Quem sou eu?” só possa ser encontrada quando estivermos dispostos a perguntar, de coração aberto: Quem é você?

Afinal, talvez o maior milagre da consciência seja justamente esse: ela é minha, mas ela me leva até você.

Views: 0

Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *