Crítica: Coringa: Delírio a Dois

“Coringa: Delírio a Dois” é um filme que se propõe a ser uma montanha-russa psicológica, mas acaba virando mais uma roda-gigante onde ficamos girando em círculos, sem sair do lugar. Se você espera ver o Coringa icônico – aquele que nos conquistou no primeiro filme com sua insanidade e violência fria – esqueça. Aqui, o que temos é um Arthur Fleck perdido em seus delírios, e o grande vilão, aquele que devia ser o antagonista supremo do Batman, é diluído em uma narrativa quase trágica, onde o caos se transforma em pena.

A primeira coisa a ser dita, sem dúvida, é que Joaquin Phoenix continua brilhante. Ele entrega uma atuação intensa e precisa, mergulhando no que o roteiro lhe oferece. O problema é que o que lhe foi dado é um Arthur Fleck afundado na autocomiseração, quase irreconhecível. Esse Coringa não é o gênio do crime; é um homem despedaçado, cuja mente fragmentada constrói um universo de alucinações. A piada que me veio à mente, enquanto assistia, foi da minha infância: “Pai, estou namorando. – Ela sabe, filho? – Não, pai. Se ela souber, ela termina.” E é mais ou menos isso: o “Delírio a Dois” mais parece um delírio de um só. Toda a relação entre Fleck e Harley é, no fundo, outra alucinação de Arthur, como se até o próprio filme zombasse de nós por acreditarmos em qualquer romance entre eles.

Falando em Harley, Lady Gaga faz um ótimo trabalho com o pouco que lhe foi dado. Ela surge intensa e toma conta da cena sempre que aparece, mas o tempo de tela e a profundidade de sua personagem são limitados. Sua Harley é tímida, quase como uma marionete nas mãos do roteiro que a reduziu a um elemento secundário. E isso é uma pena, porque a química entre os dois poderia ter sido a faísca que salvasse o filme.

O maior problema, no entanto, é o roteiro, que prometia uma história de amor doentia entre dois vilões icônicos. Mas, no meio do caminho, tudo se desconstrói, e o que resta é um Julgamento de Arthur Fleck. O filme não deveria se chamar “Coringa: Delírio a Dois”, e sim “O Julgamento de Arthur Fleck”. E que julgamento, viu? O personagem passa o filme inteiro lutando com suas ilusões, sem nunca assumir o papel de vilão. O Coringa, que deveria ser o símbolo da loucura e do caos, aqui é só um homem perdido, arrependido e incapaz de aceitar ajuda. No final, o filme transforma Fleck num símbolo de pena, e isso contradiz totalmente o que o Coringa representa. Não era esse o vilão que esperávamos. Covarde, sim, mas sempre cruel e imprevisível – características que faltaram.

E vamos falar do formato musical? Esse, curiosamente, não é o problema do filme. Ao contrário, o fato de ser um musical até faz sentido dentro da narrativa: o mundo de fantasia que Arthur Fleck cria em sua cabeça. As sequências musicais dão ao filme um tom onírico, quase como se estivéssemos dentro da mente perturbada de Fleck, onde tudo pode ser visto como belo e trágico ao mesmo tempo. Só que o musical poderia ter sido mais do que uma fuga. Ele poderia ter mostrado a crueldade e a insanidade do Coringa de uma maneira mais criativa e intensa. O potencial estava ali, mas foi mal explorado, transformando o filme em algo mais próximo de um espetáculo teatral sobre miséria emocional do que um mergulho no caos.

No fim, “Coringa: Delírio a Dois” é um exercício de frustração. Ele nos promete um mergulho na insanidade de um dos maiores vilões da cultura pop, mas nos entrega um Arthur Fleck emocionalmente perdido, desprovido de tudo o que fez o Coringa ser temido. E, enquanto a fantasia musical tenta nos transportar para o interior de sua mente, o que vemos é apenas um homem que não corresponde às expectativas – nem as nossas, nem as dele mesmo.


Ficha do Filme: Coringa: Delírio a Dois

  • Título Original: Joker: Folie à Deux
  • Direção: Todd Phillips
  • Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
  • Gênero: Drama, Musical
  • Duração: 132 minutos
  • Lançamento: Outubro de 2024
  • Classificação: R (para conteúdo sexual, linguagem e violência)

Elenco Principal:

  • Joaquin Phoenix como Arthur Fleck / Coringa
  • Lady Gaga como Harley Quinn
  • Zazie Beetz como Sophie Dumond
  • Brendan Gleeson como o Dr. Langstrom
  • Robert De Niro como Murray Franklin (aparição)

Sinopse:

Após os eventos do primeiro filme, Arthur Fleck, agora conhecido como Coringa, enfrenta uma nova realidade em sua luta contra a sanidade. Enquanto busca uma conexão emocional, ele se envolve com Harley Quinn, uma psiquiatra que se torna tanto seu amor quanto sua aliada em um mundo de delírios e fantasia. No entanto, o que começa como uma história de amor sombrio rapidamente se transforma em uma jornada de autodescoberta e desconstrução, onde a linha entre realidade e ilusão se torna cada vez mais tênue. A trama explora os conflitos internos de Fleck enquanto ele tenta reconciliar sua identidade com suas alucinações, apresentando um Coringa mais vulnerável e emocional do que nunca.

Trilha Sonora:

A trilha sonora combina composições originais com músicas que refletem a jornada emocional dos personagens, criando um ambiente de fantasia e tragédia que complementa a narrativa.

Curiosidades:

  • O filme é uma sequência direta do aclamado Coringa (2019), que rendeu um Oscar de Melhor Ator para Joaquin Phoenix.
  • Coringa: Delírio a Dois é notável por sua abordagem musical, uma escolha incomum para um filme sobre um dos vilões mais icônicos dos quadrinhos.
  • A produção enfrentou críticas mistas, com espectadores divididos entre aqueles que apreciaram a nova direção e os que esperavam uma representação mais tradicional do Coringa.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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